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Voluntariamente autista, sociável com trouxas, fluência em melancolicês. Não tem dom de se expressar pela fonética, mas ama a escrita mesmo sem saber juntar a multidão de letras que seguem suas células. Apenas uma alma muda na imensidão de vozes.

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quarta-feira, 2 de julho de 2014


Mais uma vez estou ancorada neste oceano dentro de um barquinho digno do diminutivo, só vejo água acima dos meus olhos e a beira dos meus pés. Águas que não sabem o silêncio em sua superfície. As ondas feitas ora de nuvens ora de águas conversam de alguma forma com a minha existência. De alguma forma essa abundância aquosa e condensada quer falar comigo. De alguma forma ela quer ter braços quer tocar a superfície. 
Estou tentando pescar alguma coisa, mas às vezes a composição de água presente no meu corpo mergulha-me neste oceano. E eu sou mais água que ossos. Mais vidro que cálcio. Ao longe vejo um anzol estático carregando iscas de letras. Mas como saber se estas letras são da palavra que a tanto tempo ando esperando fisgar minhas entranhas. Eu deixaria o anzol me abrir como um espaçamento na terra em que se deseja repousar umas sementes. Seriam essas letras as sementes apropriadas para o meu tipo de solo. Eu nado para longe do anzol como um filme voltando ao início. E no início é só água, só água. 
Nas profundezas, algo dentro de mim canta uma melodia das baleias e tento chegar a superfície para expelir minha alma em forma de jatos d'água. 
Então vejo um barco solitário brincando com o vento e já estou mais uma vez nele, tremendo o anzol como se fosse um cajado que fendesse luz em águas. 
E como se existisse uma inversão da gravidade estou de cabeça para baixo e andando em águas negras e não menos profundas. Neste lugar eu sou mais poeira do que viscosidade. Sou um ponto gélido circulando um planeta. 
E são as mesmas coisas efêmeras. Efêmero me lembra enfermo. Enfermos temporários da não eternidade. Enfermos temporários do antes do fim. Eu não tenho voz aqui. Minha forma de falar se resume a círculos. E sou atraída por uma gravidade que não me desprende no espaço. Eu falo em círculos. 
Talvez esse tempo todo eu queria pescar uma música que eu só conheço na profundidade. Talvez essas palavras em forma de iscas formam uma oração ou um pedido de socorro.
Mas eu estou novamente neste barco, estou nesta superfície que não conhece outro movimento que não seja balanço. Sinto um tênue sereno cair sobre meus ossos frágeis. Abro os olhos e a cadeira de balanço me recorda onde estou e levo nas mãos uma bengala e já é hora de entrar e acender as luzes da sala de estar. Meus olhos vêem essa luz em penumbra e eu lembro que tudo foi um sonho e de novo estou neste barco. 
Me disseram um dia que era poesia, 
mas eu só vejo águas.
As letras escorrem gotas d'água que já são pesadas neste meu papel frágil e já me rasgo com facilidade.


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