Minha foto
Voluntariamente autista, sociável com trouxas, fluência em melancolicês. Não tem dom de se expressar pela fonética, mas ama a escrita mesmo sem saber juntar a multidão de letras que seguem suas células. Apenas uma alma muda na imensidão de vozes.

Popular Posts

Blogger news

Tecnologia do Blogger.
quarta-feira, 8 de dezembro de 2021



Eu sempre tive comigo uma torre imaginária, dessas de contos de fadas, muito altas e antigas, cheias de labirintos e escadas, e apenas uma janela voltada pra frente ao infinito horizonte, onde conversar com a janela era a mais alta intimidade, um sentimento metafórico que nunca passa o da torre, e eu posso sentir empatia pela Rapunzel em sua torre e sua separação para com o mundo e as pessoas, o lá fora sempre foi uma realidade distante para mim. O lugar do abandono sempre foi meu lugar. Às vezes é estranho ser o resto, reminiscências ininterruptas. 

Esse é um mundo desconhecido mesmo às portas abertas, mesmo habitável e desenvolvido, ainda sempre aqui no meu peito será um mundo desconhecido, em que raras vezes meu coração o descobriu, e se abriu, entre imaginações e epifanias, entre sonhos tão bobos, nunca saberei explicar esse vazio de que não tenho sentido a vida, ou que sempre estive triste por parecer que falta muito para que eu sinta a vida, para que eu alcance essa vida que parece não ter começado, mesmo depois de aprender andar e cair, falar e ouvir, olhar e sentir, amar e doer, sonhar e morrer, ir e vir em minha torre de sentimentos. 

Eu sempre estive começando de novo coisas que não terminei, coisas que abandonei, coisas que mudei para outras por não ter continuado, eu comecei demais várias coisas, sou um depósito do inacabado sempre lotado de coisas que não consegui me materializar e ter uma mente em simultâneo, eu falhei em tudo que tentei e continuo falhando e começando mas a vida ela nunca vem? Ela não pode ser eu de perto e eu ser nela em corpo e alma? Nunca habitamos o mesmo espaço, essa é a sensação e agora eu já não tenho força de querer sair da torre, achei que um dia eu pudesse, nesse lá fora tão imenso em que eu cada vez mais não consigo habitar, sozinha no meio das multidões nunca pareceu o certo nunca pareceu pra mim, inadaptável mas o coração ao mesmo tempo já quis encontrar o caminho já desejou que a vida se encontrasse em mim, ou que me chamassem para essa vida de que todos parecem fazer parte menos eu, pra essa vida que eu pudesse sentir. 

Ultimamente mais do que nunca, eu não sinto mais o meu coração, não sei onde ele está e parece que ele nunca mais vai voltar, não sei mais como reativar ele na vida, eu que sentia demais, eu que sei que não sentir também era tudo o que eu pedia as vezes quando o sentir demais me esmagava o peito e não me deixava morar em mim mesma, e eu me apeguei ao vazio, ao não ser nada, a não aparecer, a não falar, a não querer que me vejam ou me sintam, porque não há nada aqui, e não há nada também que eu possa ser, as vezes que tento me imaginar ser algo seja em que tempo for são as vezes mais difíceis, eu não consigo me ver, eu não consigo acreditar, eu não consigo me materializar, eu não consigo ser real nesse mundo, meu corpo é um objeto estranho que eu vez ou outra também desconheço. 

Então aceito a torre, e me entrego ao não encontro, a reclusão, a não saída, entre esses livros que mal tenho forças de terminar de ler, entre tantos que também foram começados e não continuados, entre muitas palavras não escritas e deixadas nesse espaço pela metade e isso se repete porque sou eu a metáfora da não continuidade, das desistências e começos fracassados, um amontoado de vidas pela metade, de degenerações precoces. Não, tem algo em mim que não está acompanhando a vida e o tempo, que já se separou, que deixou tudo ir enquanto eu volto pra lugar nenhum, porque não consigo alcançar o que não sinto estar. 

Ainda que muitas vezes no passado nós vivemos e sentimos coisas piores que no presente mesmo entre todas aquelas dores, ainda havia alguma doçura que morava em mim, ainda havia em mim alguém que não deixava o coração morrer por nada e mesmo ele morrendo dava um jeito de ressuscitá-lo. Ela era uma salvadora de seu próprio coração, escrevia e imaginava como para poder sempre salvá-lo, ela lutou mesmo que sabia que iria cair e perder sempre, e tinha coragem de começar de novo depois dos erros, e chorava sempre, e sonhava mais, cantava em voz alta, se encantava com a música e as melodias, os sons sem palavras ou as vocalizações mágicas, sim ela adorava a palavra magia, era um adjetivo bonito para as coisas reais que escondiam em si uma poesia oculta e silenciosa que era necessário olhar mais profundo pra ver além e o que está bem perto, buscava tesouros de olhar nas coisas pequenas nas mesmices, os sinais de poesia, as descobertas que faziam o coração acelerar, a temperatura no coração fazer quenturas no corpo todo e escrever como jorrando esse calor. 

Mesmo ela sendo um mundo gelado e distante e a obscuridade sempre estar por perto a imaginação sempre a salvava ela dizia a si mesma, e era mais que tudo intima de si mesma, eu sinto falta dela entre tantas quebraduras, entre tantos remendos, entre tantas mudanças e recomeços perpétuos e desistências perpétuas na mesma velocidade, entre tantos adormeceres ela não acordou mais, nada a interessa mais, e o esquecimento tem sido seu melhor amigo, nada mais entra nada mais sai, e a torre permanece firme, sem desmoronar, e a janela aberta já não faz mais vontade de olhar, escrevo porque não tenho chaves, e lembro de Drummond ressoando "trouxeste a chave?" para lembrar-nos do reino das palavras enquanto penso podes me trazer a porta caro poeta? Quando já nem a janela me orienta mais?

E escrevendo para essa que fui, e para as tantas que não consigo ser, na iminência de mais uma desistência, entre todas as portas do mundo, de saídas e de entradas, eu só queria estar do lado certo pra mim e o melhor de tudo sentir estar realmente lá seja por dentro ou por fora.