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Voluntariamente autista, sociável com trouxas, fluência em melancolicês. Não tem dom de se expressar pela fonética, mas ama a escrita mesmo sem saber juntar a multidão de letras que seguem suas células. Apenas uma alma muda na imensidão de vozes.

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sexta-feira, 29 de julho de 2022


 

Uma professora de neurociência, um dia disse na aula, sobre a luta do nosso cérebro contra a gravidade pra poder se levantar e acordar todos os dias, o discurso dela foi tão impressionante, fugaz e apaixonante, que me atingiu imediatamente mesmo que no fundo eu sabia que era uma luta fracassada minha principalmente levantar cedo a minha mente, eu já não consigo reproduzir palavra por palavra o que foi dito aquele dia, mas esse dia ficou marcado em minhas sinapses mesmo que borradas do tempo, eu nunca esqueci dessa professora, a melhor que já tive, pois fez com que eu me apaixonasse ainda mais pelo meu cérebro imperfeito e defeituoso, porque ainda assim ele é tanto. 

Desde muito tempo que olho para o chão enquanto caminho, e agora mais do que tudo o chão me chama, as vezes é uma vontade imensa e indizível de me deitar, eu preciso cair as vezes, o chão é tão atraente, eu me deito diretamente nele há uns longos anos, fico ali deixada naquele chão frio e relento, que me encolho e me misturo pregada em sua existência. Eu passei a apreciar ter onde cair, deitar, sentar, sei que muita gente não se permite esse tempo, eu já não vivo sem ele, o meu tempo de abandono. 

Todos estamos sujeitos a gravidade, é o que sempre ouvimos sobre nosso processo de envelhecer, como também avistamos na natureza e suas estações, de não ser mais semente, embrião, e possuir marcas as vezes de longos anos, sinais do tempo e lembrança que caímos e não somos feitos pra durar, marcas essas não só na pele e no corpo mas também aprendemos em nossa alma. 

Manoel de Barros um dia escreveu que as folhas das árvores nos ensinam a cair sem alardes, e eu ainda não aprendi, continuo sofrendo a queda mesmo antes de acontecer, sentindo em meu corpo todas as falhas, enquanto tentamos segurar com as mãos o deslizar invisível do tempo das coisas. O coração sente essa gravidade sentimental ao nosso redor, e eu berro essa dor porque sinto falta do que dura, do que permanece, sempre no mesmo ponto dos sentimentos, ainda dói sentir como tudo muda mais rápido que o meu coração suporta, quando meu coração anseia tanto por algo imutável nesse tempo tão frágil e inevitavelmente mutante que é a vida. Não poeta, ainda faço alardes ao ver uma simples folha cair no chão.

Faz tempo que a gravidade parece que chegou cedo pra mim, sentir-se já velha e cansada, algo por dentro caído no chão da alma que custa levantar e andar com firmeza, o coração parece estar sempre a beira de uma estrada longa e sem fim, onde já apresenta sinais de desesperança, é tão solitário cair, guardar consigo mesmo todas as vezes que não conseguiu andar direito sozinho, todas as vezes que viu algo murchar mas você acreditar que ainda pode viver, sempre levantar em silêncio e cheia de arranhados por dentro que ninguém viu. Estou caindo uma longa queda, onde o chão é onde eu quero chegar, pisar firme, ficar de pé de dentro pra fora, sentir que algo entre toda essa gravidade, entre todas essas quedas, pode ficar de pé, como os alicerces de uma casa erguida vencendo o vento e o tempo, como uma árvore gigante quase tocando o céu. Eu sei, até as casas caem, mas por favor, não caia mais o amor. 






Essa casa parece que chora, 

como uma mancha adoecida dos alicerces 

As infiltrações na parede nunca sararam, 

não importa quantas vezes tudo isso é pintado e renovado em cores, 

a poça infiltrada do avesso sempre volta 

se espalhando e mofando o que se tentou cobrir

como uma metáfora de quem mora dentro

uma mancha que é feito paredes que falam o que tanto guardam

tão silenciosamente sobre o abandono

Dias desses a água furou o cimento, 

a parede lá do alto teto pingava e escorria em continuidade

como se a água atravessasse paredes tão facilmente, 

foi simbólico e forte, 

a parede chorava num filamento inteiro até o chão, 

E eu que sempre fui de associar coisas a sentimentos ocultos

vi ali como essa casa sabia do que eu sei no meu coração

dessa solidão tão cheia de paredes altas 

E eu quis atravessar essas paredes que não cabem mais meus sentimentos, 

empoçada dentro de mim mesma sem poder ser lá fora, 

fazendo enchentes em minha superfície assombrada 

Eu também estou cheia de manchas envelhecidas

Impregnada dessa casa vazia e sem vida

E eu quero me pintar por dentro

Essa casa tão cheia de labirintos cada vez mais apertados nunca foi minha

As paredes se estreitam a cada dia em minha direção

Esmagando imponentemente meu coração

Eu procuro meu lar entre paredes e chãos 

entre seus acúmulos e coisas inacabadas 

Nos reflexos da desordem tento saber onde está minha saída

e melancolicamente me sinto sem espaço algum 

Essa casa parece que chora

e nas suas paredes as minhas lágrimas também compõe a infiltração.