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Voluntariamente autista, sociável com trouxas, fluência em melancolicês. Não tem dom de se expressar pela fonética, mas ama a escrita mesmo sem saber juntar a multidão de letras que seguem suas células. Apenas uma alma muda na imensidão de vozes.

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sábado, 13 de junho de 2020



Num jardim de coisas obscuras vivia uma menina, nesse lugar onde as coisas cresciam com dificuldade ela aprendera a cantar para as árvores, a falar a linguagem melódica do vento nas folhas, desde cedo achava que quando as árvores balançavam seus galhos enquanto falava e cantava era como se lhe entendessem, a voz, o vento, a extensão da eternidade num abraço dançante de folhas, era o seu segredo. 
Nas noites tristes e solitárias, ela sempre ia até aquela mesma árvore e do alto sabia que naquele lugar suas lágrimas eram sagradas, recebidas e bebidas por algum ser noturno, foi aquela árvore que lhe ensinou sobre o silêncio e o segredo dos sentimentos, a linguagem pura das lágrimas. 
Como uma brisa noturna e um céu faiscante de porque's, ela achava tão ancestral e misterioso o quanto o vento era convidativo a se refletir, o céu era um ímã, o som sempre foi seu guia, tateava pelos ouvidos algo além, um rastro tão cheio de vida esse vento que lhe espalhava as lágrimas anoitecidas, ela caminhava os pensamentos mudos por entre as folhas que balançavam como uma força que leva os seres minúsculos em atração circular, o coração caminha em órbitas tão singulares.
Chorar parece um segredo, pensava, ensina sobre a poesia, sobre o indecifrável das palavras, é uma capacidade humana repleta de desabrochar e aberturas, e tão semelhantemente nos lembra da chuva, essas coincidências minúsculas e curiosas instaladas na existência quase imperceptíveis mas tão cheias de significação a faziam-na se deslumbrar um pouco para fora das suas tristezas, mais tarde saberia o quanto esses detalhes a fizeram sair, coisas que lembram de outras coisas era seu passatempo favorito de solidão, como uma criança catando folhas na memória, amando as suas infinitas formas, suas variáveis cores, espalhadas, seu lugar sempre fora entre as folhas, das árvores e plantas ou dos papéis, encontrava ali uma fragilidade irmã, um sopro da sua quietude.
As árvores se tornaram suas amigas mais antigas, tinha um respeito e reverência a passar por elas, estavam ali a tão mais tempo e ainda as mais jovens entre elas levavam em sua estrutura a beleza do que cresce demoradamente em silêncio, mas de forma nenhuma é muda, há tantas vozes numa árvore só, quando ela se sentia pequena e sem fala, pensava nisso, há tantas vozes numa árvore só, composições, harmonias, árvore falantes existem, o silêncio de crescer faz um baita som oculto das profundezas.
Ela voltava outra quando as lágrimas se fundiam com a natureza, ela voltava outra quando as lágrimas pareciam ter lhe banhado inteira. E voltava àquele lugar secreto tantas vezes, viver é uma lembrança, ela viria a viver disso, de pequenas lembranças quando tudo parecia escuro, esquecido.
Por muito tempo ela teve que viver com a sensação de não saber o que falar entre as pessoas, na sua cabeça distanciada rodeava perguntas de como deveria ser, como deveria agir, o que as coisas tinham a lhe dizer, tudo sussurrava pelos cantos quando estava sozinha era mais fácil adivinhar os segredos dos lugares, os sons ocultos, as pessoas ela só olhava de longe aquele amontoado cheios de linguagens  e expressões que ela não sabia se compreendia tão bem, doía o peito ter que ser dali, fora tão acostumada a só olhar que não queria ir até lá, era como se colocasse uma planta que só entende de ventos do lado de uma pessoa era o bastante estar ao lado, ela só balançava não queria ter que falar ali, pessoas misteriosamente para ela eram repletas de códigos, faces, só conseguia associar uma por vez, e logo retornava ao seu lugar onde tudo era mais noturno onde sempre se pedia pra descansar o dizer das coisas, sair da penumbra era difícil, e ela só queria conseguir tornar aquele lugar sombrio em que cresceu em algo florestal, foi quando o coração aprendeu a plantar de tudo o que se imaginava, alimentar histórias e visões, enfeitar o lugar de onde não podia sair, e então ela encontrou a poesia, aquilo que se encontra e percebe que sempre esteve dentro de você antes mesmo de saber o que era ou o seu nome, a poesia se revelou desperta de dentro dela, vestiu suas terras esquecidas, amar poesia é já ter um punhado dela dentro de si, ela disse a si mesma:

no meio dos espinhos onde me criaram
cresceu um ramo de carinho em mim
brotou das raízes pesadas
em mim essa ternura triste
tem uma linguagem incrustada em meu peito
do que ainda não vivi
quero colocar a linguagem do meu amor em alguma coisa
nasci com uma cicatriz chamada sensibilidade
vez ou outra ela me abre pois sou frágil
frágil de amor
o amor me feriu
e eu só enxergo brechas
não quero o que tampe essas minhas brechas
é por elas que enxergo
é por elas onde a beleza entra e sai
é por elas que eu aprendi de onde eu vim
precisei ser frágil
para brotar além dos espaços entre os espinhos e raízes
pequena através de passagens obscuras
senti falta da beleza do outro lado
cresço de pouco em pouco 
indo além da escuridão desse lugar
nesse jardim de coisas obscuras
sinto falta de mãos suaves 
abrindo lugares novos nessas minhas terras
não sei explicar para o mundo 
essa falta do que não vivi
do que sei só de nome
do que parece sempre do outro lado
cansada de crescer só
eu enfrentei os espinhos
virei planta no meu coração
estou calada olhando a linguagem do mundo
não compreendo a multidão de vozes
ouço de um canto das minhas brechas
quando estou nesse lugar aberto
eu olho lá fora pela fenda de mim
como alguém que ficou de fora
e que ouve pelas beiradas
o som de um única voz
o vento
mestre desse vazio de mim
e nesse canto tão distante
as palavras que colhi lá de longe
foi assim que aprendi
sendo tocada por lonjuras

Os olhos dela tinham mãos o coração queria ter pernas caminhava pelos ouvidos olhando as coisas como que para ver nelas seus nomes, era as extensões que aprendera com as árvores, se esticar de um mesmo lugar, expandir de seu próprio corpo, só assim conhecia como sair de si mesma, como as plantas faziam a criar caminhos por entre as coisas que parecem tão rígidas, as folhas flutuando os galhos e troncos, criando rios e cascatas de verde, imitações curiosas da natureza, se você se atentar saberá que há muitas delas, a natureza é uma grande metafórica, nós a interpretamos para nossa sobrevivência nos ensinando sabiamente caminhos para sair de nós mesmos, desde a primeira vez que o homem entendeu o céu e sua ordem harmônica, seu cosmos.
Era bom os dias que ela saia de si mesma, só pela compreensão das coisas vistas, ela saiu do lugar amortecido das raízes obscuras, aprendera assim que o amor acreditou nela ainda ela mesma não acreditando quando tudo ao seu redor parecia não condizer com esse nome tão propagado, algo que não sabia dizer a protegeu fez brotar esse desejo de saber o que era para além das mesmas coisas ressequidas que conhecia, quais estações ainda a esperavam? quais cores poderia ver além daquelas? o que ainda poderia brotar? 
O amor é mais uma semente de invisível, dispersada solitária pelas asas do vento, nunca se sabe onde vai cair ao certo, talvez assim chegara onde ela estava mas chegara mesmo ao fundo de seu coração? E ela onde ela poderia chegar? Ser colhida ou ser espalhada? Plantada pelo vento ou acariciada pelas mãos? Sementes envelhecidas e guardadas no esquecimento do seu próprio esconderijo de semente. 
Seu coração dizia, quero me plantar em ti que olho mas nunca vejo, enroscar meus galhos na tua existência já perene, como uma árvore abraçada por laços verdes rasteiros, delicadamente hóspede da tua pele. São os contornos da existência, os enfeites naturais dados as pedras, aos troncos, envoltos de detalhes, compostos singulares, existências que se acompanham, cada uma no seu próprio crescimento. Contornos e não preenchimentos, algo como uma segunda pele, sentir-se habitada na própria flor da pele.
Ela gostava do vazio, certa vez com muito medo precisou se esconder e não ser vista, precisou do vazio, é um lugar, como o lugar secreto de sua árvore amiga, é pra lá que você corre quando não pode falar com ninguém, e quando não há ninguém por perto e você deixa passar os pensamentos como o vento, limpos e do jeito que você está sem ter que modificá-los moldá-los pra virar palavras, sem nenhum embelezamento de vir a ser. Lugares vazios pra sentar, almejava lugares vazios pra sentar, você pode sentar no vazio, como quem senta numa praça depois de andar na cidade, e quem sabe assim, outro vazio também encontra um lugar vazio ao seu lado, duas existências sentadas a contemplar o nada. Esse é o tipo de vazio de quem se acostuma ao silêncio das árvores, mas o vazio é imenso, e por vezes ele é cheio de si mesmo, o vazio já é cheio.
Senta comigo nesse vazio, até o fim desse texto. Poucos são os que podemos sentir sentados ao lado do nosso vazio, e poucas são as vezes que nos encostamos no vazio um do outro.
Estou como uma folha em branco, eu sou essa folha em branco já algum tempo, eu posso ser fazer qualquer coisa com ela mas não faço nada, hesito em uma única folha e a mantenho em branco, quero saber o que fazer dela, o que deveria estar aqui? É a minha história, eu sei, e tantas coisas acontecem no meu mundo de sentimentos, oh folha, às vezes eu sinto que não vou sair daqui, eu trocaria essa história pra repousar segura em um abraço íntimo, e começar por ele, alguém pra começar essa folha em branco comigo e contar por ela em segredo que é o meu corpo em branco que agora está falando. 
Estou desistindo velha árvore parece que essa folha de que tanto hesito é a última folha a despregar de uma gigante árvore uma folha pequenina a única que restou do vento e eu quero saber como finalmente deixá-la ir, sinto a secura querer me tomar como se nas bordas do coração estivesse solidificando, estou com medo do que não vou querer mais, estou com medo do não sentir mais, do que nunca virá, desse outro lado que me cansei de só olhar. 
Eu tento respirar no meio de uma solidificação, pelo centro desse seio dentro e fora não foi o contorno de cascas que queria que me tocasse e se eu me esquecer do que é sentir, e se eu já tiver esquecido, o que irá sobrar no centro de mim, como uma árvore a se engrossar de tronco, firme e segura, não é fácil se tornar árvore, não é fácil escolher ficar e conhecer a rigidez dessa expansão, estou com medo e não consigo pensar no que virá depois, parece tão solitário aqui, espero velha árvore que eu ainda conheça os galhos depois desse processo, poder abraçar o vazio lá de cima, ser um contorno de imensidão e sentir sentarem ao lado do meu vazio, entender o pouso do pássaro, os casulos, as tocas, depois de tanto me esconder ser o esconderijo de muitos, entender as moradias e as visitas, ainda não tenho galhos suficientes e densos, exteriores e extensos, mas como os sinto me perfurar pra sair, estou com medo da minha própria forma parece doer ficar aqui esperando que eles venham, ver a carne se tornando circunstância de árvore ainda no seio, pouco a pouco parecer deixando de ser carne, formar anéis e contornos por dentro estruturas de atingir a superfície, eu preciso do primeiro galho, do primeiro assento, da primeira sombra, do primeiro toque, eu preciso da superfície, mesmo com medo eu preciso sair daqui de dentro. 



quarta-feira, 3 de junho de 2020



Se eu pudesse lhe dizer o quanto meus poros gritam e emitem ressonâncias lunares, micro mundos das partículas que parecem querer falar como um vapor expelido de uma pequena cratera, faz tanto tempo que a delicadeza não passa por essas minúsculas fortalezas, suavidade de sentir-se abraçado ainda nos dedos, o clamor da verdade é tão alto no espírito, sentir que é de verdade, sentir que faz parte, pertence, elos de proximidade e intimidade de presença, estar sabendo que está, seja lá ou aqui, e eu já quis gritar e explodir como uma estrela, cansada de girar em círculos, quem iria entender a minha própria pele, atender meus chamados meus ecos meus silêncios minha voz qualquer coisa de que eu circunde. 
Orbitas lembram como algo está ligado a outro, harmonias celestes e universais pairam sobre minha cabeça me ensinando o som das órbitas de mim mesma, eu quero invadir uma cidade feito um meteoro perdido, caído do céu, pedaços que vagueiam o espaço de mim, tão brilhantes e fazendo chuvas de faíscas, os humanos cultivam uma tradição de fazer um pedido as luzinhas perdidas que riscam o breu da madrugada, passageiras como um pedido, orações secretas às estrelas. 
Alguma criança aprendeu conversar com estrelas e meteoros despedaçados mas não aprendeu a estar no seu próprio aglomerado de corpos falantes, eu queria gritar um abraço, explodir de amor que nunca conheci ou senti, faço um pedido pra mim as minhas pedras perdidas, quantas vozes orações secretas pedidos e encantamentos a pedras suspiraram, grandes ouvidos da terra, faço um pedido pra mim, estou clamando os pedaços. 
Vou te falar de satélites, órbitas e magnetismos, me incorporo num satélite, estar lá no alto das distâncias pode ser pacificador, a calmaria de um abandono consciente, pairo sobre tudo, a lua me conta um segredo, como entendemos de orbitar, o céu acima de minha cabeça me ensina sobre a solidão e as insignificâncias. 
Minha lua está tão pálida, seu globo brilha na intensa profundidade do escuro quanto mais escuro mais brilha, sua verdadeira face é opaca e poeirenta, parece um móvel esquecido em algum porão ou sótão, lua envelhecida e cheia de poros e marcas, suas cicatrizes até brilham e criam espetaculares rabiscos faíscas de luz cores imitando os astros maiores, e encanta minha noite com sua presença cheia de fases e mistérios. 
A lua me ensina sobre estar no lugar certo na hora certa e refletir os brilhos, sem roubar o brilho de ninguém sua face recebe e emite partículas dos brilhos que a circundam em si, ela que sempre fica ali as margens de algo maior, mas olha como brilho causa a sua obscuridade. 
Estou rodando, circulando, e me disseram pra ir embora, sair do caminho da vista, chutaram a minha lua e eu fiquei ali no meu lugar chorando porque existo assim por achar lugar em estar as beiras as margens a espreita de mundos a um pertencimento das esperas, pra onde a lua iria, ela está sempre ali pairando sem orgulho apenas existindo em observar distâncias. 
Tenho sido satélite todo esse tempo, um prazer em rodear a existência, eu pertenço as órbitas, e como agora sinto meu coração esquentar de pensar em girar, dançar em volta do que ele acha belo, por um instante sinto que posso brilhar apenas por existir assim, serena no ar, te dando a minha mais remota presença. 
Há três objetos celestes que me contemplam: a lua, os cometas, os meteoros. Todos conhecem o que é opaco, mas que em contato com o além de si mesmo, se transformam em coisas cintilantes e aladas que surpreendem os olhos passageiros, roubam a cena dos astros, que belas pedras, que belas extensões de si mesmo, se jogam a luz solar as atmosferas as órbitas, e brilham de tudo. Queria ver um cometa um dia, queria me sentir pela primeira vez nesse que em tantas vezes me fez viajar o espírito pensando nas coisas esquecidas e demoradas, anos para sua passagem e acontecimento, sua única viagem por vez, sua vez de brilhar, de sair do oculto e do esconderijo, vindo de lonjuras, do exterior do sistema, de lá das margens, do esquecimento.
Das pedras o regozijo, pedras aladas do universo, a hora de uma estrela que não é estrela, o poeta dizia, que tristes são as coisas consideradas sem ênfase, eu as contemplo, eu as venero, era uma flor no asfalto de um planeta era uma pedra que iniciou o fogo era uma pedra em chamas viajando o espaço, quão belos são os objetos refletores, um cometa a brilhar na queda, um meteoro a fazer chuva da sua desintegração, a lua a se modificar a se transmutar, a se renovar estando ali, sua possibilidade de luz mostra passagens e tempos, vozes da singularidade mesmo sendo parte de um sistema binário ou gigante, a lua e a distância perfeita para se permanecer inteira, abatida como um escudo entre dois mundos, mas não despedaçada, não como os anéis exuberantes de saturno, histórias de reminiscências rodopiantes que mesmo no fim ainda tornam belo o que existiu, mas ali lua e inteira na sua distância perfeita. 
Algo dentro de algo maior dentro de algo maior, camadas do infinito, estou a me corresponder com a lua, trocando cartas com o céu, selos celestes, eu sou a criança que fazia pedidos as estrelas como se fosse chegar a algum lugar mesmo que esse lugar fosse aqui mesmo nesse planeta, ligada a um endereço distante, nesse silêncio retórico que apenas o eco localiza o coração, em que o prazer era simplesmente ecoar pela imensidão, pelo desconhecido, deslocalizar e deslocar ao remetente espaço, onde as repostas brilham sozinhas no fim coração, brilham no fim de um universo, como alguma pedra brilha vinda de lá de onde não havia cor aguardando. Quem sabe eu também esteja brilhando no fim de um olhar em algum lugar.