- Miss Nobody
- Voluntariamente autista, sociável com trouxas, fluência em melancolicês. Não tem dom de se expressar pela fonética, mas ama a escrita mesmo sem saber juntar a multidão de letras que seguem suas células. Apenas uma alma muda na imensidão de vozes.
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Encaro paredes
tateando formas de abraçar
um rio corre lá fora
mas é de meu corpo o barulho das águas
Perdoem o que sou, digo
a beleza me matou antes
que eu me soubesse bonita
Perdoem o que sou, digo
eu choro a delicadeza de Rimbaud
pois também perdi a vida
Perdoem o que sou, digo
a verdade me escancarou
abri-me em janelas
e estou fadada a olhar profundamente
a terrível condição
de morrer para sempre
Perdoem o que sou, digo
é certo que todos temos
algo para amar
e é igualmente certo
que amando verdadeiramente
seremos ainda mais solitários
porque e digo isso
enfartada de vida interior
amar é antes de tudo
escolher amar
Perdoem o que sou, digo
ainda ei de encontrar Dickinson
e ela me dirá alegre
que a beleza é a verdade
e que nisto somos irmãs.
P. F. Filipini.
(Obrigada por esse poema existir Pâmela).
Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha
Objeto de amor, atenta e bela.
Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha)
Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel
Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra.
Hilda Hilst.
Amargura no dia
amargura nas horas,
amargura no céu
depois da chuva,
amargura nas tuas mãos
amargura em todos os teus gestos.
Só não existe amargura
onde não existe o ser.
Estão sendo atropelados
em seus caminhos,
os que nada mais têm a encontrar.
Os que sentiram amargura de fel
escorrendo da boca,
os que tiveram os lábios
macerados de amor.
Estão terrivelmente sozinhos
os doidos, os tristes, os poetas.
Só não morro de amargura
porque nem mais morrer eu sei.
Hilda Hilst.
Há um rio desaguando do meu peito sem parar
Eu sempre transbordo profundidades incompreendidas
Preciso deixar a enchente invadir tudo de mim
Sentir a violência da ruptura em cada gota
Mas ainda assim não me sinto molhada e lavada
Enquanto as águas me levam eu estou queimando de dentro pra fora
Há tanta água saindo de mim mas não apaga o fogo
Enquanto derramo fico pensando como esse frio queima tanto
Mistura de elementos e náusea
O peito quer estourar as reservas acumuladas
Ao mesmo tempo que a água sai
O buraco no meio do rio me leva pro fundo
Estou afogando e nunca aprendi a nadar
Eu desapareço morrendo nas águas do meu próprio coração
De onde nunca mais vou retornar a superfície
Você vai me encontrar aqui?
Adormecida debaixo das águas.