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Voluntariamente autista, sociável com trouxas, fluência em melancolicês. Não tem dom de se expressar pela fonética, mas ama a escrita mesmo sem saber juntar a multidão de letras que seguem suas células. Apenas uma alma muda na imensidão de vozes.

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quarta-feira, 28 de junho de 2023

 


Encaro paredes 

tateando formas de abraçar 

um rio corre lá fora 

mas é de meu corpo o barulho das águas 

Perdoem o que sou, digo

a beleza me matou antes

que eu me soubesse bonita

Perdoem o que sou, digo

eu choro a delicadeza de Rimbaud

pois também perdi a vida

Perdoem o que sou, digo

a verdade me escancarou

abri-me em janelas 

e estou fadada a olhar profundamente 

a terrível condição 

de morrer para sempre 

Perdoem o que sou, digo

é certo que todos temos

algo para amar

e é igualmente certo 

que amando verdadeiramente 

seremos ainda mais solitários 

porque e digo isso 

enfartada de vida interior

amar é antes de tudo 

escolher amar

Perdoem o que sou, digo

ainda ei de encontrar Dickinson

e ela me dirá alegre

que a beleza é a verdade

e que nisto somos irmãs.


P. F. Filipini.

(Obrigada por esse poema existir Pâmela).



 

Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha
Objeto de amor, atenta e bela.

Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha)

Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel

Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra.


Hilda Hilst.


quinta-feira, 22 de junho de 2023

 


Amargura no dia

amargura nas horas,

amargura no céu

depois da chuva,

amargura nas tuas mãos


amargura em todos os teus gestos.


Só não existe amargura

onde não existe o ser. 


Estão sendo atropelados 

em seus caminhos,

os que nada mais têm a encontrar.

Os que sentiram amargura de fel

escorrendo da boca,

os que tiveram os lábios

macerados de amor.

Estão terrivelmente sozinhos

os doidos, os tristes, os poetas. 


Só não morro de amargura

porque nem mais morrer eu sei. 


Hilda Hilst. 


quarta-feira, 14 de junho de 2023

 

Há um rio desaguando do meu peito sem parar 

Eu sempre transbordo profundidades incompreendidas 

Preciso deixar a enchente invadir tudo de mim

Sentir a violência da ruptura em cada gota

Mas ainda assim não me sinto molhada e lavada 

Enquanto as águas me levam eu estou queimando de dentro pra fora

Há tanta água saindo de mim mas não apaga o fogo

Enquanto derramo fico pensando como esse frio queima tanto 

Mistura de elementos e náusea 

O peito quer estourar as reservas acumuladas

Ao mesmo tempo que a água sai 

O buraco no meio do rio me leva pro fundo

Estou afogando e nunca aprendi a nadar

Eu desapareço morrendo nas águas do meu próprio coração 

De onde nunca mais vou retornar a superfície

Você vai me encontrar aqui? 

Adormecida debaixo das águas.