- Miss Nobody
- Voluntariamente autista, sociável com trouxas, fluência em melancolicês. Não tem dom de se expressar pela fonética, mas ama a escrita mesmo sem saber juntar a multidão de letras que seguem suas células. Apenas uma alma muda na imensidão de vozes.
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- Querida Margot,
- Bernardo é quase uma árvore
- A Árvore Generosa
- O menino que carregava água na peneira
- O apanhador de desperdícios
- Poeminho do Contra
- Retrato de um poema
- Ruína
- E o pássaro cantava déjà vu
- Love and Friendship
- Quando vier a primavera
- Anatomia de um quadro vivo
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▼
julho
(13)
If I can stop one heart from breaking,
I shall not live in vain;
If I can ease one life the aching,
Or cool one pain,
Or help one fainting robin
Unto his nest again,
I shall not live in vain.
Emily Dickinson.
Se eu puder evitar que um Coração padeça
Não viverei em vão.
Se eu fizer que na Vida alguém esqueça
A Dor ou a Aflição
Ou se ajudar um Pássaro caído
A retornar ao Ninho
Não viverei em vão.
Emily Dickinson
Tradução: José Lira.
Não viverei em vão, se puder
Salvar de partir-se um coração,
Se eu puder aliviar uma vida
Sofrida, ou abrandar uma dor,
Ou ajudar exangue passarinho
A subir de novo ao ninho —
Não viverei em vão.
Emily Dickinson
Tradução: Aíla de Oliveira Gomes.
Estou embrulhando um solstício para ti, sim, solstício
polpudo, plangente, vibrante e todo enfeitado em papel de sonho. Amarrei até um
laço, pendurei crucifixos, borrifei essência e na concha de meu seio vívido há uma
turma de passarinhos serelepes que vão junto na caixa; se és presente que
queres, então abra este pedaço de carne e veja o que achas. Ouvi dizer que tens
andado com um tédio buliçoso, que a preguiça de se reinventar pousou primeiro
no teu rosto e depois na tua horta de cebolinhas. Tem certeza que este vazio
não serve de linha para costura? Sei que sofre de lonjuras, que tudo arranha e
nada elucida, mas não se afobe… sabes que vai chegar lá, não é? A propósito,
mandei uma muda de amplidão, tecido de vida e iluminura, talvez lhe sirvam.
Neste inverno é bom agasalhar solidão.
Bru,
De brumas 🍃☁️.
(Lindo poema-carta escrito pela minha amiga Bruna, que me compartilhou em um momento de angústia e solidão, me trazendo ternura e lembranças das coisas doces, como a magia de um cobertor macio e quentinho que nos aquece e por um tempo nos esconde dos perigos lá fora e da dura realidade. Muitas vezes a vontade de viver falha, e admiro tanto mulheres como você que ainda se permitem ser sonhadoras e sensíveis num mundo e tempos tão difíceis como Amélie sabia. Esses dias minha psicóloga disse que sou subjetiva e que ela entende como algumas coisas desse mundo são difíceis para eu por em palavras normais e que alguns possam acompanhar, e disse que almas como a nossa são raras nesse mundo que além de sentir muito transformam os sentimentos em poesia, traduzem a alma, o secreto, o oculto, o invisível, que muitos escondem por não querer sentir. Obrigada amiga por tentar entender meus silêncios e meu tempo com esse meu jeito de me calar muitas vezes. Com certeza todas pessoas que me dedicam um poema, um livro, uma carta, uma imagem, um filme ou desenho, uma música ou um disco inteiro, uma playlist ou que me escreve a mão nem que seja um bilhetinho simples, tem um lugar especial no meu coração e para mim um significado como o mais delicado presente pra alma, palavras também importam, e pra mim como uma pessoa que existo através delas, que vivêncio elas, tudo é relevante).
"Isso se chama encarar a realidade, mas é isso que
Amélie não quer..."
♡
Bernardo é quase uma árvore
Silêncio dele é tão alto que os passarinhos ouvem
de longe
E vêm pousar em seu ombro.
Seu olho renova as tardes.
Guarda num velho baú seus instrumentos de trabalho;
1 abridor de amanhecer
1 prego que farfalha
1 encolhedor de rios - e
1 esticador de horizontes.
(Bernardo consegue esticar o horizonte usando três
Fios de teias de aranha. A coisa fica bem esticada.)
Bernardo desregula a natureza:
Seu olho aumenta o poente.
(Pode um homem enriquecer a natureza com a sua
Incompletude?)
Manoel de Barros.
(Ser o Bernardo, se sentir tão íntimo em seu silêncio, que as coisas chegam até ele em seu estado de simplicidade com que ele corresponde aos seres e a vida, o respeito ao todo em que se faz parte. Um dia um professor de filosofia perguntou na sala de aula, se você pudesse escolher ter nascido outro ser vivo, o que você gostaria de ser? Houveram diversas repostas dentro do reino animal mas somente eu habitei o reino das plantas, eu disse então, "eu queria ser uma árvore", o professor ficou surpreso, talvez porque geralmente as pessoas usam as plantas de forma pejorativa nos últimos tempos pra identificar alguém que não faz nada ou é quieto demais em seu canto, de certo são tolos, não menos que um olhar despreparado como aqueles que olham um lugar verde e coberto pelo selvagem e só conseguem chamar de mato, ver só mato, daí a palavra triste, desmatamento. E eu escrevi o porque de eu querer ser árvore, tão somente pelo fato de me identificar com elas, onde o falar e fazer assume outras formas ocultas mas não menos expressivas. Ser árvore pode parecer solitário, já que meu espírito é desse tom arbóreo, mas árvores são sinônimos de abrigo, são receptoras das criaturas, servem aos seres que muitas vezes estão de passagem cansados e famintos, pertence às esperas sazonais, são sombras, tornam o ar mais fresco e puro, ensinam sobre o silêncio de continuar crescendo a partir de um mesmo lugar, sobre acima de tudo a resistência. Tenho maior respeito por esses seres tão ancestrais e sábios da terra, queria um dia abraçar um pinheiro, ou quem sabe estar perto de uma sequoia gigante, das árvores mais antigas do planeta, para me sentir pequena e insignificante da forma mais poética e humilde possível através de seres que paradas em seus lugares onde fincaram suas raízes suportaram as tempestades, as ventanias, o fogo, as mudanças climáticas e aprenderam renascer de si mesmas e a se defender de onde estão, entre inverno e primavera. Deve ser bom se saber enraizada em seu lugar de ser o que você nasceu pra ser, ou mesmo se enraizar em outro ser que lhe permita crescer como árvore inteira).
Mas o menino sumiu por muito tempo... E a Árvore ficou
tristonha outra vez.
Um dia, o menino veio e a Árvore estremeceu tamanha a sua
alegria, e disse: "Venha, Menino, venha subir no meu tronco, balançar-se
nos meus galhos e ser feliz."
"Estou muito ocupado pra subir em Árvores", disse
o menino. "Eu quero uma esposa, eu quero ter filhos e para isso é preciso
que eu tenha uma casa. Você tem uma casa pra me oferecer?"
"Eu não tenho casa", disse a Árvore. "Mas
corte os meus galhos, faça a sua casa e seja feliz."
O menino depressa cortou os galhos da Árvore e levou-os
embora para fazer uma casa.
E a Árvore ficou feliz!
O menino ficou longe por um longo, longo tempo, e no dia que
voltou, a Árvore ficou alegre, de uma alegria tamanha que mal podia falar.
"Venha, venha, meu Menino", sussurrou, "venha
brincar!"
"Estou velho para brincar", disse o menino,
"e estou também muito triste." "Eu quero um barco ligeiro que me
leve pra bem longe. Você tem algum barquinho que possa me oferecer?"
"Corte meu tronco e faça seu barco", disse a
Árvore. "Viaje pra longe e seja feliz!"
O menino cortou o tronco, fez um barco e viajou.
E a Árvore ficou feliz, mas não muito!
Muito tempo depois, o menino voltou.
"Desculpe, Menino", disse a Árvore. "não
tenho mais nada pra te oferecer. Os frutos já se foram."
"Meus dentes são fracos demais pra frutos", falou
o menino.
"Já se foram os galhos para você balançar", disse
a Árvore.
"Já não tenho idade pra me balançar", falou o
menino.
"Não tenho mais tronco pra você subir", disse a a
Árvore.
"Estou muito cansado e já não sei subir", falou o
menino.
"Eu bem que gostaria de ter qualquer coisa pra lhe
oferecer", suspirou a Árvore. "Mas nada me resta e eu sou apenas um
toco sem graça. Desculpe ..."
"Já não quero muita coisa", disse o menino, "só
um lugar sossegado onde possa me sentar, pois estou muito cansado."
"Pois bem", respondeu a Árvore, enchendo-se de
alegria. "Eu sou apenas um toco, mas um toco é muito útil pra sentar e
descansar."
Venha, Menino, depressa, sente-se em mim e descanse."
Foi o que o menino fez.
E a Árvore ficou feliz.
Shel Silverstein.
(Esses dias estava ouvindo uma música e entre os comentários sobre ela, alguém fazia conexão do título da música a essa história, como referência, não sei se conheci essa música antes ou depois do livro, mas até então eu não tinha associado os dois, e essa história também estava adormecida em mim. O fato é que conheci o livro "A árvore generosa" em meados de 2017, é um livro curto como se pode ver e tinha ilustrações, o que sei é que ele me afetou de alguma forma, sua melancolia mexeu comigo, eu me senti aquela árvore, me imaginei em sua solidão enquanto todas as suas partes iam embora. É muito claro que a relação da humanidade com a natureza tem trilhado por esses caminhos, isso quando a própria sociedade e seus iguais pode ser vista dessa maneira, uns com os outros. Assim que terminei de ler comecei transcrever pra esse cantinho aqui mas de alguma forma não consegui terminar e deixei ele quieto. É um livro mais do que necessário, a música diz "a gente sempre espera piorar, a gente sempre deixa de cuidar do que já tem na mão..." Tanto da natureza como dos próprios humanos, "por culpa do depois". É uma verdade muito triste, talvez por isso me afetou tanto em minha solidão, deixo aqui algo que é o oposto desse livro e do qual tenho muito carinho por existir, é outro livrinho curto e delicadamente ilustrado também chamado de "O homem que plantava árvores". É uma história tão enriquecedora quanto, eu a conheci através de um curta metragem de animação, tipo de desenhos com histórias curtas que me abraçam muito com a singeleza de suas histórias que nos marcam com tão pouco tempo, e me encantou e me lembrou do meu avô, das pessoas simples do campo, do silêncio e da espera, da solidão de semear, da esperança, como uma semente para o amanhã, uma semente em que mais do que tudo você precisa acreditar. Anos depois ao acaso encontrei o livro em uma livraria, tão grande foi minha emoção em tocar e saber dele palpável e que haviam traduzido uma história tão especial para o coração de quem deixa as terras serem abertas para a semente entrar).
Tenho um livro sobre águas e
meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.
A mãe
disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e
sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.
A mãe
disse que era o mesmo
que catar espinhos na água.
O mesmo que criar peixes no bolso.
O
menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces
de uma casa sobre orvalhos.
A mãe
reparou que o menino
gostava mais do vazio, do que do cheio.
Falava que vazios são maiores e até infinitos.
Com o
tempo aquele menino
que era cismado e esquisito,
porque gostava de carregar água na peneira.
Com o
tempo descobriu que
escrever seria o mesmo
que carregar água na peneira.
No
escrever o menino viu
que era capaz de ser noviça,
monge ou mendigo ao mesmo tempo.
O
menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi
capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor.
A mãe
reparava o menino com ternura.
A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você
vai encher os vazios
com as suas peraltagens,
e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!
Manoel de Barros.
Uso a palavra para compor meus
silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que as dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um
formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.
Manoel de Barros.
(Meu poema favorito do senhor Manoelzinho).
Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho
Eles passarão...
Eu passarinho!
Mário Quintana.
Como a canção de um pequeno pássaro diante do mundo e me valendo daquilo que Clarice Lispector um dia escreveu. "Porque há o direito ao grito. Então eu grito".
Eu passarinho!
Eu passarinho!
Eu passarinho!
EU PASSARINHO!
EU,
PASSARINHO.
É como um sussurro desse velho amigo poeta, passe devagarinho mesmo, menina passarinha. Sobre o conforto de se demorar um pouquinho enquanto todos se esbarram, e se tropeçam uns nos outros.
♡.
Esse desenho sou eu se fosse uma imagem da minha cabeça personificada, de alguma das maneiras que me imagino. É sempre uma grata surpresa encontrar desenhos como esse tão cheios de poesia que ultrapassa as letras. Expansão, é essa a palavra. A poesia se transmuta em várias formas na visão do poeta. Eu amo quando a poesia encontra as imagens que alguma palavra não foi suficiente para expressar e então se estende nessas paisagens da alma. Lembro que um dos primeiros desenhos que arrisquei fazer sobre algo que escrevi foi um pássaro-árvore ou como gosto de chamar de uma árvore com alma de passarinho. Eu sou uma eternamente apaixonada por desenhos, ilustrações e pinturas que fazem essa transmissão poética, já quis morar em tantas e eu amo encontrar um desenho que revela exatamente algo que eu havia escrito ou sentido e que posso ver em outras dimensões que outro também enxergou, são dessas coincidências bonitas da vida, encontrar os pensamentos, os sentimentos e sensações, as palavras que se comunicam diretamente com o que estava dentro de você, e torna aquilo vivo, e ainda mais poético. Gosto de olhar algumas imagens que me passam a sensação de "growing", algo se expandindo de nós, crescendo através de nós, transpassando a carne, transcendendo o corpo em mutação, mostrando a profundidade exposta crescendo pra fora depois de tanto sufocar-se por dentro, enfim livre da casca, algo crescendo da sua solidão de um corpo que não cabe a própria mente, de um frágil e passageiro corpo que muitas vezes não suporta o quanto as emoções podem ser fortes e maiores que sua estrutura aguenta e ao mesmo tempo esse corpo resiste como sua pequena fortaleza e proteção do seu ser único, e ele busca meios de se expandir de si mesmo pra dar conta de toda essa imensidão que ele guarda sem entender muitas vezes o que ela é. É tão necessário acolher essa casquinha, essa pele momentânea, que muitas vezes me identifico com um processo no mundo animal, dentro de um clado chamado Ecdysozoa, aqueles que passam pelo processo de Ecdysis, que ao longo de seu crescimento e expansão, vão deixando cascas pelo caminho, sofrendo várias mudas graduais ao seu processo de viver, o corpo em mudas, em transições de dentro e fora de si. Assim como a metamorfose, acho um dos processos mais poéticos da natureza, em que crescer se processa em abandonar as próprias cascas velhas pelo caminho, quando o exoesqueleto desses animais já não os veste mais, já não comporta o seu ser que necessita se expandir mais uma vez de si mesmo, então a casca é liberada e outra nasce. Talvez por isso me aproximei ainda mais dos insetos, a natureza fala em tantas formas. Eu sempre sinto essa agonia de casca, de mudar de pele, de deixar sair esse incomodo superficial quando algo dentro emite sinais que precisa de espaço para crescer mais, sair pra fora, abandonar o corpo. Talvez um poema nasça disso tudo pois acho interessantes as Ecdysis, a própria formação de um poema me remete a esse processo, quando seus sentimentos já não cabem no corpo e precisam ser expelidos como uma casca. Você já viu uma casca de cigarra? São chamadas exúvias. Manoel de Barros sabiamente um dia poetisou sobre elas no seu poema Árvore, "e descobriu que uma casca vazia de cigarra esquecida nos troncos das árvores só presta para poesia". Sim, até mesmo as cascas são material para poesia, relíquias naturais do processo de vir a ser, do torna-se, e bem-vindos aqueles que também ainda enxergam poesia de suas próprias cascas vazias anteriores, pois também foram sua casa e abrigou com todo cuidado o que ainda estava se formando dentro de ti mais uma vez.
Um monge descabelado me disse no caminho: "Eu queria construir uma ruína. Embora eu saiba que ruína é uma desconstrução. Minha ideia era de fazer alguma coisa ao jeito de tapera. Alguma coisa que servisse para abrigar o abandono, como as taperas abrigam. Porque o abandono pode não ser apenas de um homem debaixo da ponte, mas pode ser também de um gato no beco ou de uma criança presa num cubículo. O abandono pode ser também de uma expressão que tenha entrado para o arcaico ou mesmo de uma palavra. Uma palavra que esteja sem ninguém dentro (O olho do monge estava perto de ser um canto). Continuou: digamos a palavra AMOR. A palavra amor está quase vazia. Não tem gente dentro dela. Queria construir uma ruína para a palavra amor. Talvez ela renascesse das ruínas, como o lírio pode nascer de um monturo".
E o monge se calou descabelado.
Manoel de Barros.
(Um dia eu escrevi pra mim mesma, caro vovô poeta, que eu tinha tudo pra descrer no amor, mas o amor acreditou em mim. Como algo que nasce além de mim. Foi das vezes que eu o imaginei e senti assim renascer das ruínas de mim mesma, de uma bondade genuína que ultrapassa os limites terrestres, amor que muitas vezes não recebi ou conheci, de onde ele veio? Esse amor que não sei nomear, me levantando das cinzas). Será amor, que você acredita ainda em mim? Quando meu coração está quase não acreditando mais.
Existem palavras escritas que são como se estivéssemos olhando nos olhos, existem fotografias que por um instante podemos sentir o frescor do tempo, parece até que podemos sentir como tinha algo perfumado ali, tem palavras que são abraços e todas essas coisas que nos aproximam do silêncio. Eu gosto de fotografar com palavras, como Manoel de Barros descreveu tão poeticamente, "difícil fotografar o silêncio, entretanto tentei", gosto de pintar com palavras, você sabe, assim como descobri que Van Gogh além de pintor escrevia belas cartas ao seu irmão. Você se lembra amigo de quando te falei das cartas de Vincent a Théo e que eu adorava a carta sobre o pássaro na gaiola, nós também éramos esse pássaro e foi bom dividir contigo essa dor pintada com pinceladas cheias de amarelo e estrelinhas feito cicatrizes consteladas num céu cheio de curvas. Van Gogh se tornou nosso amigo íntimo, uma alma irmã. Gosto dessa breve viagem no tempo carregada de todos os sentidos mas também há dias que procuro outros meios de dizer sem elas, preciso esvaziar as palavras, é isso, eu me canso de falar, de ter uma alma falante e expressiva e ao mesmo tempo sem nem abrir os lábios sentir que falou sem parar.
Se eu pudesse te dar as fotografias da alma te daria o dia que saí e me impressionei com o céu feito criança, parecia que fazia anos que não via o céu de corpo inteiro, sendo que todos os dias eu o olhava cabisbaixa com tristeza muda. Tem vezes que os nossos olhos não querem tocar a beleza, isso aprendi no sofrimento, a hora de recolher-se das belezas e se comunicar com o vazio, se revestir de nada, é um alívio não ser importante.
E então já faz um tempo que o céu não é o mesmo e que levantar dói mas percebi o céu depois de muitos dias de isolamento em mim mesma, eu parecia a mesma menina de olhos encantados, o céu era um cobertor tão grande, senti que quase podia tocá-lo, o céu parecia baixo e ao mesmo tempo imenso como sempre e não como das outras vezes comprimido. Só eu sabia e estava bom assim. Queria praticar mais vezes o "só eu sabia e estava bom assim".
O céu é gentil, já perdi as contas de todas as vezes que a sua pintura momentânea me salvou a alma, que o céu invada o teu corpo inteiro.
Tenho vivido só pra esperar o dia passar, fico quieta em absoluto distanciamento de qualquer estímulo, nasci para o silêncio e me dei conta de que estive sempre assim, mas certas vezes ao estarmos mergulhados demasiado em algo não percebemos que aquilo faz parte de nós e tem valor. Foi quando me vi em tormento por ter que falar, quando você se cala a vida toda o medo de falar é persistente e a culpa por falar demais é desconcertante, queria te falar sobre o silêncio que nos põe no lugar, quando as palavras fizeram eu me perder de mim e em mim, estou cheia de coisas que ficaram pela metade na fala.
Love is like the wild rose-briar,
Friendship like the holly-tree -
The holly is dark when the rose-briar blooms,
But which will bloom most constantly?
The wild rose-briar is sweet in spring,
It's summer blossoms scent the air.
Yet wait till winter comes again
And who will call the wild-briar fair?
Then scorn the silly rose-wreath now
And deck thee with the holly's sheen,
That when December blights thy brow
He still may leave thy garland green.
Tradução:
O amor é como a roseira brava,
A amizade como o azevinho -
O azevinho está escuro quando a roseira brava floresce,
Mas qual florescerá mais constantemente?
A roseira brava é doce na Primavera
As suas flores de Verão perfumam o ar.
No entanto, esperem que o Inverno venha de novo
E quem chamará à roseira brava bela?
Então rejeita a volúvel grinalda de rosas agora
E cobre-te com o esplendor do azevinho
De modo que quando Dezembro atingir a tua fronte
Ele possa ainda deixar a tua grinalda verde.
Emily Brontë.
(Dear Emily, like you, I know I'll always be the dark holly-tree. Was I born to be rose?)
Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.
Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.
Ah! como eu amo os galhos das árvores
emoldurando o céu
paisagem nunca gasta a si contemplar
raios e veias
e a cada passagem
ter nas fendas da sua secura