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Voluntariamente autista, sociável com trouxas, fluência em melancolicês. Não tem dom de se expressar pela fonética, mas ama a escrita mesmo sem saber juntar a multidão de letras que seguem suas células. Apenas uma alma muda na imensidão de vozes.

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terça-feira, 4 de julho de 2023

 

Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.

Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.


Alberto Caeiro. (Fernando Pessoa).


Comentário:

(Poeta, sente-se aqui comigo na solidão universal da alma, você que já é imortal e não sabia quando dizia a si mesmo desse sentimento que compartilho e sinto sobre ser um alívio não se ter importância alguma para o mundo, ser um alívio muitas vezes não existir, não ser nada, ou ser apenas essa partícula coexistente do todo que se desfaz, mas ainda assim poeta, tu sabes, sentimos tanto o peso do mundo no coração, mesmo sabendo de fato que a realidade tal como a natureza e o universo inteiro não precisa de nós meros humanos, demasiados humanos, pra continuar seus ciclos e fluxos de existência. 
Poeta, queria te confessar, tu que já se tornou uma estrela que passou e ficou na terra para sempre nos corações que enxergam seu brilho. Poeta, eu ainda morreria triste, sabe por que? 
Eu queria ser a própria primavera em si. Sim. Sentir a primavera brotar de meus mundos gelados, viva, não para depois quando não puder ter preferências,  como tu sabias, não há mais nada lá. Brotar, nascer de todo esquecimento, de todo congelamento, por isso é que escrevemos, não é mesmo? Nossa sina, não é. Sementes que muitos artistas morreram e não viram em vida se tornar raízes e árvore, não viram crescer mas se souberam e se aceitaram também no sentir-se insignificante diante de todas as coisas mas ainda assim semearam a alma para florir quem sabe amanhã junto com essa primavera que continuará mesmo sem nós. Florir mesmo quando vier a primavera e já estar morto, é para poucos, raríssimos. Sei que você me entende, talvez ainda apesar de ter morrido tanto ainda não aprendi a morrer). 
Como deixou escrito um dos epitáfios mais lindos que já li e me identifico muito, do meu adorável John Keats que deixou marcado para sua morte: 

"Aqui jaz alguém cujo nome foi escrito na água". 

Ele não sabia mas essas águas brilham e ecoam seu nome até hoje. Ninguém saberá. 


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