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Voluntariamente autista, sociável com trouxas, fluência em melancolicês. Não tem dom de se expressar pela fonética, mas ama a escrita mesmo sem saber juntar a multidão de letras que seguem suas células. Apenas uma alma muda na imensidão de vozes.

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segunda-feira, 21 de setembro de 2020



Abelha! Aqui te espero! Eu ainda on-

tem dizia, a alguém que tu conheces, 

como estás atrasada.

As Rãs já estão em casa desde a últi-

ma semana, os Passarinhos voltando,

o Trevo está no ponto.

Lá pelo dia dezessete receberás esta

carta. Escreve, ou, melhor, vem logo.

Cordialmente, Mosca. 

            

                        Emily Dickinson,




 


 



Esta, minha carta para o mundo,

Que nunca escreveu para mim

Simples novas que a Natureza

Contou com terna nobreza.

Sua mensagem, eu a confio

A mãos que nunca vou ver

Por causa dela - gente minha

Julgai-me com bem-querer. 


                           Emily Dickinson, 





domingo, 26 de julho de 2020



E eu também desbotei
soltei a cor
quebrei galhos
despetalei
caí sequei
eu parte dos fragmentos da natureza
eu também decomponho 
desmorono em terra
cores gastas que se recompõe em outras cores
num lugar despovoado vim cair
o vento me deitou longe das minhas raízes
tão leve essa morte que a queda é um deitar
ainda sentia as últimas seivas de vida
esvaindo 
as cores se apagarem
e na minha solidão achei que iria sumir
tudo foi ficando escuro se fechando em mim
um interior comprimindo nos últimos líquidos
resistindo com delicadeza em manter seus formatos 
foi quando mudei de cor
eu estava inteira de um jeito diferente 
não desapareci de mim 
intacta e em outro tipo de vida
na outra extremidade da paleta de cores
seca
nua
claríssima 
e mais facilmente quebradiça 
foi quando ela não pisou em mim
me colheu do chão 
como quem colhe um tesouro esquecido 
me carregou dentro de um livro 
me olhou com a gentileza das palmas das mãos
eu permaneci uma folha uma marca uma vida do que fui
eu vivi a minha forma seca 
estive em páginas e caixinhas 
num quase cemitério de delicadezas e fragilidades
de histórias já secas e amareladas 
com a beleza de emoldurar a lembrança de uma folha, 
da marca da passagem dos tempos e dos estágios da vida
histórias finalmente vistas através das cores empoeiradas
quem me diria que morrer teria ainda tanta história de viver assim
que eu depois de ser árvore fui folha além dos galhos e das cores
uma simples folha que permaneceu viva depois de morta
pelo simples fato de ser olhada 
de ser guardada 
de ser preciosa a alguém
e sermos histórias dentro de histórias 
na memória de quem acolheu.






sábado, 13 de junho de 2020



Num jardim de coisas obscuras vivia uma menina, nesse lugar onde as coisas cresciam com dificuldade ela aprendera a cantar para as árvores, a falar a linguagem melódica do vento nas folhas, desde cedo achava que quando as árvores balançavam seus galhos enquanto falava e cantava era como se lhe entendessem, a voz, o vento, a extensão da eternidade num abraço dançante de folhas, era o seu segredo. 
Nas noites tristes e solitárias, ela sempre ia até aquela mesma árvore e do alto sabia que naquele lugar suas lágrimas eram sagradas, recebidas e bebidas por algum ser noturno, foi aquela árvore que lhe ensinou sobre o silêncio e o segredo dos sentimentos, a linguagem pura das lágrimas. 
Como uma brisa noturna e um céu faiscante de porque's, ela achava tão ancestral e misterioso o quanto o vento era convidativo a se refletir, o céu era um ímã, o som sempre foi seu guia, tateava pelos ouvidos algo além, um rastro tão cheio de vida esse vento que lhe espalhava as lágrimas anoitecidas, ela caminhava os pensamentos mudos por entre as folhas que balançavam como uma força que leva os seres minúsculos em atração circular, o coração caminha em órbitas tão singulares.
Chorar parece um segredo, pensava, ensina sobre a poesia, sobre o indecifrável das palavras, é uma capacidade humana repleta de desabrochar e aberturas, e tão semelhantemente nos lembra da chuva, essas coincidências minúsculas e curiosas instaladas na existência quase imperceptíveis mas tão cheias de significação a faziam-na se deslumbrar um pouco para fora das suas tristezas, mais tarde saberia o quanto esses detalhes a fizeram sair, coisas que lembram de outras coisas era seu passatempo favorito de solidão, como uma criança catando folhas na memória, amando as suas infinitas formas, suas variáveis cores, espalhadas, seu lugar sempre fora entre as folhas, das árvores e plantas ou dos papéis, encontrava ali uma fragilidade irmã, um sopro da sua quietude.
As árvores se tornaram suas amigas mais antigas, tinha um respeito e reverência a passar por elas, estavam ali a tão mais tempo e ainda as mais jovens entre elas levavam em sua estrutura a beleza do que cresce demoradamente em silêncio, mas de forma nenhuma é muda, há tantas vozes numa árvore só, quando ela se sentia pequena e sem fala, pensava nisso, há tantas vozes numa árvore só, composições, harmonias, árvore falantes existem, o silêncio de crescer faz um baita som oculto das profundezas.
Ela voltava outra quando as lágrimas se fundiam com a natureza, ela voltava outra quando as lágrimas pareciam ter lhe banhado inteira. E voltava àquele lugar secreto tantas vezes, viver é uma lembrança, ela viria a viver disso, de pequenas lembranças quando tudo parecia escuro, esquecido.
Por muito tempo ela teve que viver com a sensação de não saber o que falar entre as pessoas, na sua cabeça distanciada rodeava perguntas de como deveria ser, como deveria agir, o que as coisas tinham a lhe dizer, tudo sussurrava pelos cantos quando estava sozinha era mais fácil adivinhar os segredos dos lugares, os sons ocultos, as pessoas ela só olhava de longe aquele amontoado cheios de linguagens  e expressões que ela não sabia se compreendia tão bem, doía o peito ter que ser dali, fora tão acostumada a só olhar que não queria ir até lá, era como se colocasse uma planta que só entende de ventos do lado de uma pessoa era o bastante estar ao lado, ela só balançava não queria ter que falar ali, pessoas misteriosamente para ela eram repletas de códigos, faces, só conseguia associar uma por vez, e logo retornava ao seu lugar onde tudo era mais noturno onde sempre se pedia pra descansar o dizer das coisas, sair da penumbra era difícil, e ela só queria conseguir tornar aquele lugar sombrio em que cresceu em algo florestal, foi quando o coração aprendeu a plantar de tudo o que se imaginava, alimentar histórias e visões, enfeitar o lugar de onde não podia sair, e então ela encontrou a poesia, aquilo que se encontra e percebe que sempre esteve dentro de você antes mesmo de saber o que era ou o seu nome, a poesia se revelou desperta de dentro dela, vestiu suas terras esquecidas, amar poesia é já ter um punhado dela dentro de si, ela disse a si mesma:

no meio dos espinhos onde me criaram
cresceu um ramo de carinho em mim
brotou das raízes pesadas
em mim essa ternura triste
tem uma linguagem incrustada em meu peito
do que ainda não vivi
quero colocar a linguagem do meu amor em alguma coisa
nasci com uma cicatriz chamada sensibilidade
vez ou outra ela me abre pois sou frágil
frágil de amor
o amor me feriu
e eu só enxergo brechas
não quero o que tampe essas minhas brechas
é por elas que enxergo
é por elas onde a beleza entra e sai
é por elas que eu aprendi de onde eu vim
precisei ser frágil
para brotar além dos espaços entre os espinhos e raízes
pequena através de passagens obscuras
senti falta da beleza do outro lado
cresço de pouco em pouco 
indo além da escuridão desse lugar
nesse jardim de coisas obscuras
sinto falta de mãos suaves 
abrindo lugares novos nessas minhas terras
não sei explicar para o mundo 
essa falta do que não vivi
do que sei só de nome
do que parece sempre do outro lado
cansada de crescer só
eu enfrentei os espinhos
virei planta no meu coração
estou calada olhando a linguagem do mundo
não compreendo a multidão de vozes
ouço de um canto das minhas brechas
quando estou nesse lugar aberto
eu olho lá fora pela fenda de mim
como alguém que ficou de fora
e que ouve pelas beiradas
o som de um única voz
o vento
mestre desse vazio de mim
e nesse canto tão distante
as palavras que colhi lá de longe
foi assim que aprendi
sendo tocada por lonjuras

Os olhos dela tinham mãos o coração queria ter pernas caminhava pelos ouvidos olhando as coisas como que para ver nelas seus nomes, era as extensões que aprendera com as árvores, se esticar de um mesmo lugar, expandir de seu próprio corpo, só assim conhecia como sair de si mesma, como as plantas faziam a criar caminhos por entre as coisas que parecem tão rígidas, as folhas flutuando os galhos e troncos, criando rios e cascatas de verde, imitações curiosas da natureza, se você se atentar saberá que há muitas delas, a natureza é uma grande metafórica, nós a interpretamos para nossa sobrevivência nos ensinando sabiamente caminhos para sair de nós mesmos, desde a primeira vez que o homem entendeu o céu e sua ordem harmônica, seu cosmos.
Era bom os dias que ela saia de si mesma, só pela compreensão das coisas vistas, ela saiu do lugar amortecido das raízes obscuras, aprendera assim que o amor acreditou nela ainda ela mesma não acreditando quando tudo ao seu redor parecia não condizer com esse nome tão propagado, algo que não sabia dizer a protegeu fez brotar esse desejo de saber o que era para além das mesmas coisas ressequidas que conhecia, quais estações ainda a esperavam? quais cores poderia ver além daquelas? o que ainda poderia brotar? 
O amor é mais uma semente de invisível, dispersada solitária pelas asas do vento, nunca se sabe onde vai cair ao certo, talvez assim chegara onde ela estava mas chegara mesmo ao fundo de seu coração? E ela onde ela poderia chegar? Ser colhida ou ser espalhada? Plantada pelo vento ou acariciada pelas mãos? Sementes envelhecidas e guardadas no esquecimento do seu próprio esconderijo de semente. 
Seu coração dizia, quero me plantar em ti que olho mas nunca vejo, enroscar meus galhos na tua existência já perene, como uma árvore abraçada por laços verdes rasteiros, delicadamente hóspede da tua pele. São os contornos da existência, os enfeites naturais dados as pedras, aos troncos, envoltos de detalhes, compostos singulares, existências que se acompanham, cada uma no seu próprio crescimento. Contornos e não preenchimentos, algo como uma segunda pele, sentir-se habitada na própria flor da pele.
Ela gostava do vazio, certa vez com muito medo precisou se esconder e não ser vista, precisou do vazio, é um lugar, como o lugar secreto de sua árvore amiga, é pra lá que você corre quando não pode falar com ninguém, e quando não há ninguém por perto e você deixa passar os pensamentos como o vento, limpos e do jeito que você está sem ter que modificá-los moldá-los pra virar palavras, sem nenhum embelezamento de vir a ser. Lugares vazios pra sentar, almejava lugares vazios pra sentar, você pode sentar no vazio, como quem senta numa praça depois de andar na cidade, e quem sabe assim, outro vazio também encontra um lugar vazio ao seu lado, duas existências sentadas a contemplar o nada. Esse é o tipo de vazio de quem se acostuma ao silêncio das árvores, mas o vazio é imenso, e por vezes ele é cheio de si mesmo, o vazio já é cheio.
Senta comigo nesse vazio, até o fim desse texto. Poucos são os que podemos sentir sentados ao lado do nosso vazio, e poucas são as vezes que nos encostamos no vazio um do outro.
Estou como uma folha em branco, eu sou essa folha em branco já algum tempo, eu posso ser fazer qualquer coisa com ela mas não faço nada, hesito em uma única folha e a mantenho em branco, quero saber o que fazer dela, o que deveria estar aqui? É a minha história, eu sei, e tantas coisas acontecem no meu mundo de sentimentos, oh folha, às vezes eu sinto que não vou sair daqui, eu trocaria essa história pra repousar segura em um abraço íntimo, e começar por ele, alguém pra começar essa folha em branco comigo e contar por ela em segredo que é o meu corpo em branco que agora está falando. 
Estou desistindo velha árvore parece que essa folha de que tanto hesito é a última folha a despregar de uma gigante árvore uma folha pequenina a única que restou do vento e eu quero saber como finalmente deixá-la ir, sinto a secura querer me tomar como se nas bordas do coração estivesse solidificando, estou com medo do que não vou querer mais, estou com medo do não sentir mais, do que nunca virá, desse outro lado que me cansei de só olhar. 
Eu tento respirar no meio de uma solidificação, pelo centro desse seio dentro e fora não foi o contorno de cascas que queria que me tocasse e se eu me esquecer do que é sentir, e se eu já tiver esquecido, o que irá sobrar no centro de mim, como uma árvore a se engrossar de tronco, firme e segura, não é fácil se tornar árvore, não é fácil escolher ficar e conhecer a rigidez dessa expansão, estou com medo e não consigo pensar no que virá depois, parece tão solitário aqui, espero velha árvore que eu ainda conheça os galhos depois desse processo, poder abraçar o vazio lá de cima, ser um contorno de imensidão e sentir sentarem ao lado do meu vazio, entender o pouso do pássaro, os casulos, as tocas, depois de tanto me esconder ser o esconderijo de muitos, entender as moradias e as visitas, ainda não tenho galhos suficientes e densos, exteriores e extensos, mas como os sinto me perfurar pra sair, estou com medo da minha própria forma parece doer ficar aqui esperando que eles venham, ver a carne se tornando circunstância de árvore ainda no seio, pouco a pouco parecer deixando de ser carne, formar anéis e contornos por dentro estruturas de atingir a superfície, eu preciso do primeiro galho, do primeiro assento, da primeira sombra, do primeiro toque, eu preciso da superfície, mesmo com medo eu preciso sair daqui de dentro. 



quarta-feira, 3 de junho de 2020



Se eu pudesse lhe dizer o quanto meus poros gritam e emitem ressonâncias lunares, micro mundos das partículas que parecem querer falar como um vapor expelido de uma pequena cratera, faz tanto tempo que a delicadeza não passa por essas minúsculas fortalezas, suavidade de sentir-se abraçado ainda nos dedos, o clamor da verdade é tão alto no espírito, sentir que é de verdade, sentir que faz parte, pertence, elos de proximidade e intimidade de presença, estar sabendo que está, seja lá ou aqui, e eu já quis gritar e explodir como uma estrela, cansada de girar em círculos, quem iria entender a minha própria pele, atender meus chamados meus ecos meus silêncios minha voz qualquer coisa de que eu circunde. 
Orbitas lembram como algo está ligado a outro, harmonias celestes e universais pairam sobre minha cabeça me ensinando o som das órbitas de mim mesma, eu quero invadir uma cidade feito um meteoro perdido, caído do céu, pedaços que vagueiam o espaço de mim, tão brilhantes e fazendo chuvas de faíscas, os humanos cultivam uma tradição de fazer um pedido as luzinhas perdidas que riscam o breu da madrugada, passageiras como um pedido, orações secretas às estrelas. 
Alguma criança aprendeu conversar com estrelas e meteoros despedaçados mas não aprendeu a estar no seu próprio aglomerado de corpos falantes, eu queria gritar um abraço, explodir de amor que nunca conheci ou senti, faço um pedido pra mim as minhas pedras perdidas, quantas vozes orações secretas pedidos e encantamentos a pedras suspiraram, grandes ouvidos da terra, faço um pedido pra mim, estou clamando os pedaços. 
Vou te falar de satélites, órbitas e magnetismos, me incorporo num satélite, estar lá no alto das distâncias pode ser pacificador, a calmaria de um abandono consciente, pairo sobre tudo, a lua me conta um segredo, como entendemos de orbitar, o céu acima de minha cabeça me ensina sobre a solidão e as insignificâncias. 
Minha lua está tão pálida, seu globo brilha na intensa profundidade do escuro quanto mais escuro mais brilha, sua verdadeira face é opaca e poeirenta, parece um móvel esquecido em algum porão ou sótão, lua envelhecida e cheia de poros e marcas, suas cicatrizes até brilham e criam espetaculares rabiscos faíscas de luz cores imitando os astros maiores, e encanta minha noite com sua presença cheia de fases e mistérios. 
A lua me ensina sobre estar no lugar certo na hora certa e refletir os brilhos, sem roubar o brilho de ninguém sua face recebe e emite partículas dos brilhos que a circundam em si, ela que sempre fica ali as margens de algo maior, mas olha como brilho causa a sua obscuridade. 
Estou rodando, circulando, e me disseram pra ir embora, sair do caminho da vista, chutaram a minha lua e eu fiquei ali no meu lugar chorando porque existo assim por achar lugar em estar as beiras as margens a espreita de mundos a um pertencimento das esperas, pra onde a lua iria, ela está sempre ali pairando sem orgulho apenas existindo em observar distâncias. 
Tenho sido satélite todo esse tempo, um prazer em rodear a existência, eu pertenço as órbitas, e como agora sinto meu coração esquentar de pensar em girar, dançar em volta do que ele acha belo, por um instante sinto que posso brilhar apenas por existir assim, serena no ar, te dando a minha mais remota presença. 
Há três objetos celestes que me contemplam: a lua, os cometas, os meteoros. Todos conhecem o que é opaco, mas que em contato com o além de si mesmo, se transformam em coisas cintilantes e aladas que surpreendem os olhos passageiros, roubam a cena dos astros, que belas pedras, que belas extensões de si mesmo, se jogam a luz solar as atmosferas as órbitas, e brilham de tudo. Queria ver um cometa um dia, queria me sentir pela primeira vez nesse que em tantas vezes me fez viajar o espírito pensando nas coisas esquecidas e demoradas, anos para sua passagem e acontecimento, sua única viagem por vez, sua vez de brilhar, de sair do oculto e do esconderijo, vindo de lonjuras, do exterior do sistema, de lá das margens, do esquecimento.
Das pedras o regozijo, pedras aladas do universo, a hora de uma estrela que não é estrela, o poeta dizia, que tristes são as coisas consideradas sem ênfase, eu as contemplo, eu as venero, era uma flor no asfalto de um planeta era uma pedra que iniciou o fogo era uma pedra em chamas viajando o espaço, quão belos são os objetos refletores, um cometa a brilhar na queda, um meteoro a fazer chuva da sua desintegração, a lua a se modificar a se transmutar, a se renovar estando ali, sua possibilidade de luz mostra passagens e tempos, vozes da singularidade mesmo sendo parte de um sistema binário ou gigante, a lua e a distância perfeita para se permanecer inteira, abatida como um escudo entre dois mundos, mas não despedaçada, não como os anéis exuberantes de saturno, histórias de reminiscências rodopiantes que mesmo no fim ainda tornam belo o que existiu, mas ali lua e inteira na sua distância perfeita. 
Algo dentro de algo maior dentro de algo maior, camadas do infinito, estou a me corresponder com a lua, trocando cartas com o céu, selos celestes, eu sou a criança que fazia pedidos as estrelas como se fosse chegar a algum lugar mesmo que esse lugar fosse aqui mesmo nesse planeta, ligada a um endereço distante, nesse silêncio retórico que apenas o eco localiza o coração, em que o prazer era simplesmente ecoar pela imensidão, pelo desconhecido, deslocalizar e deslocar ao remetente espaço, onde as repostas brilham sozinhas no fim coração, brilham no fim de um universo, como alguma pedra brilha vinda de lá de onde não havia cor aguardando. Quem sabe eu também esteja brilhando no fim de um olhar em algum lugar. 



domingo, 10 de maio de 2020




Nos dias em que me sinto solitária
há uma orquestra sobre mim
uma orquestra também solitária 
talvez silenciosa para os apressados e desatentos
minha solidão me chama pra deitar
por que parece tão melhor quando o ouvido se deita?
por um instante deitar parece abafar tudo ao redor
há uma orquestra sobre minha cabeça 
o universo dança harmonias ocultas
sistemas planetários 
sistemas binários
astros solitários 
astros errantes
rodopios e valsas
abraços gravitacionais 
estou silenciosa
feito um satélite entregue ao nada 
mas aqui bem longe dos astros cintilantes 
do ofuscar das grandes danças
aqui no chão do meu sereno 
vozes pequenas me enlaçam de suas vibrações
minhas noites por mais tristes que sejam 
há o entoar quase anestésico de suas linguagens
ondas sonoras cheias de oscilações vibrações e chiados 
um zumbido de calma paira no ar
sons que ressoam quase em brilho
cricrilar
cintilar
os seres grilos me trazem o cosmos pra perto
suas vibrações aladas ecoam 
um coral vibrante 
no grande salão do universo 
quando ninguém me tirou pra dançar
os grilos me chamam
lá nas últimas badaladas da noite
no abandono úmido da madrugada
há uns grilos a ressoar distâncias 
há uma harmonia tênue 
há um fundo melodioso 
quase sinto ser pega pelas mãos através dos ouvidos
ressonâncias espaciais
um som surdo de frequências que não atormentam
um convite silencioso
para fazer parte da orquestra da vida.




(Pequena homenagem aos seres da solidão, 
aos seres do canto sereno
as criaturas que fazem a noite
que nos elevam ao silêncio dos astros
grilos e espaço, estrelas e solidão
a toda alma solitária um descanso
e um som universal da noite 
em acolhimento auditivo). 




segunda-feira, 4 de maio de 2020



Como uma floresta intocada
lá dentro do selvagem
existe uma árvore que ninguém vê
crescida do interior da escuridão
uma árvore faz a floresta
à sua volta descansa a vida 
que por longos anos viu chegar de chão em chão
nenhum humano entrou naqueles bosques escondidos
nem se perdeu naquele lugar
de lá vem um som profundo dos ecos 
sons primários entoados pelo vento
a solidão de uma árvore desconhecida
no meio de tantas árvores sem nomes
lá onde os raios de luz apenas denunciam uma imensidão 
onde a luz solar e o luar chegam aos poucos
sobre um céu enfeitado de galhos
molduras de uma solidão aberta
lá penetrada por um céu intocável
tão alta como o que não se pode apalpar depressa
num lugar tão vasto que se tem por fechado ao alcance
onde os pequenos passos é que se percebem
lá vive essa nossa árvore protegida em suas próprias sombras
em suas assombrações esverdeadas
a quilômetros dali há uma casa plantada feito árvore
enchendo de cores os prados das lonjuras 
com toda a sua solidão rodeada de vozes diversas
atraídos por seus canteiros de vida 
traz para perto de si os chamados selvagens
tudo ao seu redor é eco de vida 
juntas pelo mesmo chão 
árvore e casa
solidão e espera
e há um corpo
livre para caminhar entre esses dois mundos
com suas cascas e raízes invisíveis
correndo como o vento
um corpo calado
pode ir até a árvore a casa e além
plantado na imaginação
ajunta florestas e jardins memoriais
traz a fauna e a flora
semeia um corpo uma árvore uma casa
paisagens ao longe 
quem descansou as vistas 
nessa floresta intocada de seu corpo?
aqui suspira toda obscuridade dos ecos distantes
arquiteturas paradas no tempo 
origens florestais
a árvore sem nome
sem endereço
o uivo de imensidões abertas 
selvagem e solitário
quanto mais interno mais uiva
e continuarás ecoando
um corpo que pela floresta 
conhece o eco sem fim
do seu próprio coração. 








segunda-feira, 30 de março de 2020




Minha pele tem conversado comigo 
no meio do abandono 
quando sinto falta de me sentir
ela me lembra que eu sou carne
ela me pede um abraço que não sei como dar 
me deito e me cubro 
me protejo no meu chão 
no meu abraço de cobertor
eu conheço tanto esse processo 
se encolher e ficar só
me acostumei a desaparecer 
a minha luz está fraca
iluminações corporais existem
sentir que sente
translúcida 
como se o sol andasse com os seus pés
pureza na pele 
a existência tocada por ela mesma
firme de que pertence ao dia que acorda
eu quero estar onde as coisas puras moram
e eu toco o silêncio
tão vivo que posso segurar nas mãos nos dedos
o silêncio me tocou 
as palavras sopram amor e criação
o meu nada existiu
toquei onde precisou ser tocado
minha pele é o papel enfim.



sábado, 28 de março de 2020





Seca como uma folha de outono
sem poder cair
sou guiada pelos sons
espero pelo sussurro da voz do vento
meu velho amigo
estou morta e ainda te ouço
eu sou a menina que conversa com o vento
estou secando e quero encontrar a vida
a última folha de uma árvore nua
cheia ou vazia tu nuncas se atrasas
solitário e andarilho vento
eu sou folha e sou árvore
quero ouvir o seu chamado 
tu chegas como um amado 
assobiando pra eu levantar
da minha janela crias movimento
é visto porque és sentido
mesmo que não vejam as suas asas
te realizas tocando o mundo 
emprestas tuas asas e vais embora 
da minha janela acorda as minhas cortinas
quando não quero ver a luz
eu me guio pelo seu som
e então eu posso cair entre o som do vento
esperando ser levada
vento, vento, vento
meu sopro nesse papel
também pode criar movimento?





domingo, 22 de março de 2020




Eu ainda deixo você saber em pequenos rastros
quem sabe eu ensaio o caminho da sua volta
ponho flores na sua estrada
laços de fitas e rendas nos galhos secos
mãos que trabalham com retalhos
enfeito essa borda da estrada já tanto pisada
o outono e eu fazemos das nossas folhas caídas poesia
tapete pra quem vai passar 
passo primeiro quando não tem ninguém
conheço bem os caminhos do vazio
a primavera é solitária com suas sementes 
faz todo um trabalho invisível de semear
só depois é que dão notícia da sua beleza
só depois é que ela aparece
passo por último quando todos já se foram
entardecida gosto de andar sozinha 
por onde todo o mundo já andou
imaginando os caminhos que caminham ao meu lado em silêncio
devagar faço um pequeno caminho por onde você andou
eu carrego meus passos esquecidos tentando imaginar os seus
procuro os sinais da sua passagem onde nem tem
coloco lembranças como um botão de rosa que vai abrir no outro dia
descubro uma cestinha de sementes adormecidas no coração
me derramo na estrada que sou invisível 
estar por último e ver mágica 
como deixar algo e sair correndo antes para ver ao longe 
eu vejo o depois de um canto das árvores
eu deixo um sorriso para alguém embrulhado nas asas do vento e sopro
mas até hoje não sei se dentro do coração se perguntam 
se alguém passou por aqui antes
se sentem que fui eu
se esperam me encontrar ou eu voltar naquilo que me acharam
que imaginam meu cheiro pois o lugar ficou diferente 
e ainda há meu cheiro nos troncos das árvores
estou imaginando o seu por aqui nessas estradas solitárias 
eu receberia uma chuva de folhas 
como se fosse 
sua mensagem oculta



você sorriu?




terça-feira, 17 de março de 2020




Inspiração celeste

cadê o seu toque em minha pele
tenho caminhado anestesiada 
não sei dizer o que estou sentindo 
se estou sentindo
como se nada pudesse tocar onde eu preciso
resfriamento e esvazies 
continuo falando sem som por um grito abafado
minha garganta vive mais cheia de ar
como se quisesse trazer algo que não está lá
ar de palavras que nem se formaram 
os lábios se abrem como uma sede 
a pele parece inteira calada 
enquanto o diafragma manda sinais 
e meu cérebro sente falta da minha pele
eu quero chegar até a superfície
sentir alguma profundidade tocada por cima
sentir a inspiração na minha pele
mas apalpo e não me sinto 
o diafragma manda sinais 
o ar é o único que está circulando
meu coração quer ser tocado
mas não encontro resposta de minhas lágrimas
eu espremo as lágrimas como palavras
mas nem as lágrimas querem falar
de dentro pra fora procuro o abraço de mim mesma
a tristeza está velada
o sofrimento está velado
minha alma está velada
minha pele está velada
das tumbas eu 
arranho a minha estrutura conformada
eu quero falar em sentidos
despertar minha nova pele. 


sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020




Meu amor é um lugar escondido
uma montanha sagrada e solitária
a névoa cobre a sua solidão de tons suaves
e eu espero ele aparecer 
lá no seu mesmo lugar 
entre as nuvens
eu desejei ser nuvem para passar em suas alturas
tocar a sua solidão com maciez 
eu olho para ele tão longe
e desejo seu abrigo de silêncio e distâncias
eu quero proteger meu coração nele
cobrir do meu amor
ser uma nuvem e sua montanha
eu quero fazer parte da sua calma 
perdida nos horizontes 
meus olhos habitam montanhas solitárias
e eu espero ele aparecer
nos horizontes 
no meio do vazio azul 
nas cores ensolaradas eu espero ele aparecer com sua sombra
meus olhos se acalmam de ver suas elevações distantes
seu formato assombreando meu horizonte 
presença de montanha
o horizonte fica mais bonito quando você aparece. 



terça-feira, 21 de janeiro de 2020




Quando eu morrer
não me deixe no chão que tanto caí 
eu amei a terra, juro
conheci as plantas e seus aromas
vi as sementes levantarem de seu adormecimento
eu amei a terra mas não quero ser enterrada
Quando eu morrer 
deixei-me ir 
deixe-me enfim conhecer o que é voar
esfarelada 
soprada e sem corpo 
de vez pequena como sempre fui
Quando eu morrer
deixe-me ir partícula no ar
um rastro de alguém invisível
poder então fazer companhia ao vento

deixe-me um voo
de despedida. 




sábado, 18 de janeiro de 2020




Há uma súplica de silêncio 
em cada alma 
Há um som perdido nas profundezas
O vento e as árvores sussurram 
coisas que os corações antigos sabem ouvir
O vento carrega os suspiros
As árvores presenciam os segredos
Meu coração hoje 
está lá
Há um rebuliço por dentro 
onde nem eu mesma ouvi
Faz uma muda sinfonia 
de fôlego apaixonado 
lá onde meu coração está
Há um clamor aquecido
nas brasas 
de um amor silencioso. 







Esse vento tão antigo
conhece bem 
os gemidos da alma.






Lá nos alpes da imaginação vive um espírito das árvores
caminha por aquelas montanhas solitárias 
a moradia dos ventos
se pudesse ver como ele sorri a rodear suas amigas árvores
lhe fazendo abrigo de aberturas
abrigo de caminhos para o vento 
dando voz ao som lá no alto das folhas
o vento fala com as árvores e lhe dão a voz em duplicidade
e ele sempre volta 
as árvores dançam sem nem sair de onde estão
o vento sempre volta
eis uma árvore esperando 
Lá naquelas montanhas vive o segredo da poesia
lá no alto ela descobriu
que montanhas são os castelos da natureza
sê firme na imaginação 
e verá suas entradas mágicas
caminho vasto de silêncio até a superfície das montanhas de si mesmo
onde tudo parece esquecido e íngreme
vive uma árvore vive o vento vive a montanha
as inclinações rochosas fazem um convite em sua subida
assim como as copas das árvores
guardiões da imensidão
quem sabe o vento
seja o espírito de uma árvore muito antiga
que passeia visitando a solidão do mundo.