Minha foto
Voluntariamente autista, sociável com trouxas, fluência em melancolicês. Não tem dom de se expressar pela fonética, mas ama a escrita mesmo sem saber juntar a multidão de letras que seguem suas células. Apenas uma alma muda na imensidão de vozes.

Popular Posts

Blogger news

Blog Archive

Tecnologia do Blogger.
sábado, 8 de julho de 2023


Faz um tempo que não saímos para brincar e eu me pergunto se um dia sorrirá pra mim outra vez, tenho a sensação que brinco sozinha quando te chamo pra fora, eu quis que fossemos do mundo, será que nos escondemos demais.
Os dias passam como o céu visto de uma janelinha, a claridade embora esteja por toda parte parece tão longe dos meus olhos outra vez. Eu te convido a brincar lá fora comigo mas não sinto mais a sua mão, queria poder que meu abraço fosse brilhante, queria ser uma transmissão forte de amor por onde passo, eu me prometi isso, mas como acreditar no meu amor quando estou rodeada de ódio e mágoas alheias, todos os dias tento me convencer que nada disso é culpa minha, que posso ter uma vida diferente, que eu mereço ser amada pelas pessoas de uma forma simples e sem vaidades.
Desde criança descobri uma fonte silenciosa em mim que me mantem em conversação com o mundo de fora, ela que leva meus olhos pra passear às vezes, descobrimos tantos espetáculos insignificantes e nos deliciamos com o gosto da vida, isso me manteve distante de toda a ruína a minha volta mas não pode me impedir de cair, tudo o que eu acreditava desmoronou dentro de mim, em parte sou melhor do que fui antes porque posso ser ainda qualquer coisa, posso ver sem medo, embora não saiba para onde olhar dentro de mim. Estou me adaptando as minhas próprias ruínas. 
Existem palavras escritas que são como se estivéssemos olhando nos olhos, existem fotografias que por um instante podemos sentir o frescor do tempo, parece até que podemos sentir como tinha algo perfumado ali, tem palavras que são abraços e todas essas coisas que nos aproximam do silêncio. Eu gosto de fotografar com palavras, como Manoel de Barros descreveu tão poeticamente, "difícil fotografar o silêncio, entretanto tentei", gosto de pintar com palavras, você sabe, assim como descobri que Van Gogh além de pintor escrevia belas cartas ao seu irmão. Você se lembra amigo de quando te falei das cartas de Vincent a Théo e que eu adorava a carta sobre o pássaro na gaiola, nós também éramos esse pássaro e foi bom dividir contigo essa dor pintada com pinceladas cheias de amarelo e estrelinhas feito cicatrizes consteladas num céu cheio de curvas. Van Gogh se tornou nosso amigo íntimo,  uma alma irmã. Gosto dessa breve viagem no tempo carregada de todos os sentidos mas também há dias que procuro outros meios de dizer sem elas, preciso esvaziar as palavras, é isso, eu me canso de falar, de ter uma alma falante e expressiva e ao mesmo tempo sem nem abrir os lábios sentir que falou sem parar. 
Se eu pudesse te dar as fotografias da alma te daria o dia que saí e me impressionei com o céu feito criança, parecia que fazia anos que não via o céu de corpo inteiro, sendo que todos os dias eu o olhava cabisbaixa com tristeza muda. Tem vezes que os nossos olhos não querem tocar a beleza, isso aprendi no sofrimento, a hora de recolher-se das belezas e se comunicar com o vazio, se revestir de nada, é um alívio não ser importante. 
E então já faz um tempo que o céu não é o mesmo e que levantar dói mas percebi o céu depois de muitos dias de isolamento em mim mesma, eu parecia a mesma menina de olhos encantados, o céu era um cobertor tão grande, senti que quase podia tocá-lo, o céu parecia baixo e ao mesmo tempo imenso como sempre e não como das outras vezes comprimido. Só eu sabia e estava bom assim. Queria praticar mais vezes o "só eu sabia e estava bom assim". 
O céu é gentil, já perdi as contas de todas as vezes que a sua pintura momentânea me salvou a alma, que o céu invada o teu corpo inteiro.
Tenho vivido só pra esperar o dia passar, fico quieta em absoluto distanciamento de qualquer estímulo, nasci para o silêncio e me dei conta de que estive sempre assim, mas certas vezes ao estarmos mergulhados demasiado em algo não percebemos que aquilo faz parte de nós e tem valor. Foi quando me vi em tormento por ter que falar, quando você se cala a vida toda o medo de falar é persistente e a culpa por falar demais é desconcertante, queria te falar sobre o silêncio que nos põe no lugar, quando as palavras fizeram eu me perder de mim e em mim
, estou cheia de coisas que ficaram pela metade na fala.
Algumas vezes imagino o teu futuro e vejo como tem tudo pra ser bonito, como a fotografia desse céu imenso que não pude te enviar hoje. Anos depois, revisito essa carta que nunca enviei, hoje olho suas fotografias da vida e vejo como eu estava certa porque vi no seu sorriso que te fez bem. Você cresceu mais passarinho.

Para você, um amigo de alguma distância, para uma das pessoas que pela primeira vez aprendi a compartilhar coisas de uma forma mais extensiva, numa época que eu estava aprendendo a gostar das coisas junto com as pessoas e me aproximar através das palavras escritas (que sempre foram meu lugar favorito de existir melhor), a descobrir brincar pelos gostos pelas coisas aleatórias e vi como é bonito quando alguém quer de verdade falar com você todos os dias, te conhecer de verdade, se misturar a suas maluquices e esquisitices com curiosidade, te conduzir a falar também pelo simples fato de querer te acompanhar mesmo quando você sempre foi acostumada a não ser companhia constante. 
Doeu perder a presença que aprendi a ser naqueles tempos mas hoje posso sorrir por você mesmo de longe. Acho que estou vivendo isso outra vez, de um jeito ainda mais profundo por isso tive que tornar essa carta real. É, acho que já vi isso acontecendo antes. Queria te dizer que tive coragem de fazer um voo desajeitado, eu fui encontrar o amor, eu desci do meu ninho estranho, conheci o amor como se fosse um sonho real, um abraço que eu esperei a muito tempo, eu o encontrei, e me pensei ter sido encontrada, me senti pelo menos um pouquinho como todas as outras garotas que eu me comparava cruelmente e via viver isso ao meu redor, foi o mais palpável que eu consegui sentir em toda minha vida, e vai doer muito mais nessa minha pele gritante. Continuo triste como sempre fui, e essas palavras de 2018 continuam as mesmas em minha tristeza incurável. Vou ver muitos filmes como acalento pra alma, ver desenhos animados pra confortar do cansaço chato de ser adulto e tentar morar eternamente em O Fabuloso destino de Amélie Poulain. Foi em abril que minha vida mudou pra sempre. Ainda bem que não existe apenas a realidade, assim eu posso me esconder em outros mundos, não é. A realidade é triste demais quando você é a personificação do irreal. Você tem aí vida algum sonho pra eu viver?
"Então, minha querida Amélie, você não tem ossos de vidro. Pode suportar os baques da vida. Se deixar passar essa chance, com o tempo, seu coração ficará tão seco e quebradiço quanto meu esqueleto". Eu aproveitei a chance, eu acreditei com todas as minhas forças, eu confiei e amei como se não tivesse sido tão profundamente machucada pelo amor antes, o Nino existiu, ele acenou de volta pra mim numa rodoviária quando o encontrei no meio das pessoas. Eu demorei de acreditar que o ônibus chegou num destino para um coração e um abraço e que eu estava descendo, que eu estava mesmo ali. Mas eu já estava quebrada bem antes disso, só me resta que meu coração fique seco até virar pó, se esfarelar enfim. 
Esses dias imaginei o Nino, eu estava sentada ao lado dele em um banco qualquer sentindo o vento, e ele me perguntava o que eu estava sentindo depois de ter ido pra ficar. Eu respondia enquanto sentia: "É uma sensação de asinhas abertas, eu estou sentindo o vento nelas agora mesmo aqui atrás, eu estou sentindo as asas". Foi isso que imaginei sobre a segurança de pousar o coração. Eu acho que tentei fotografar esse silêncio de estar ao lado e nem sempre precisar voar pra sentir as asas abertas. Mas o pouso, como é lindo. Essa é a fotografia que tirei para o Nino, embora ela exista apenas na minha cabeça. Eu estou tão cansada de ouvir "isso é só a sua mente, isso não existe" para tantas coisas que eu sinto aqui dentro. Acho que o amor não é para uma pessoa como eu, amigo. Mas eu tentei nem que fosse pela última vez doer disso tudo que chamam amor com todas suas vaidades inalcançáveis pra minhas mãos trêmulas. 

De um sempre desajeitado, curioso, confuso e fantasioso,

Pequeno pássaro ocular.

Eu acho que não posso voar mais, porém ao menos posso vocalizar canções voadoras para quem sabe aprendam o caminho de voarem até a mim.

"Era um lugar abandonado, sempre habitado, mas nunca moradia, era uma gaiola ao céu aberto, uma prisão sem cadeado. Ninguém queria fazer parte daquele lugar, e o pequeno passarinho olhava cândido todas as árvores se esticando devagar mesmo sem sair do lugar, ele se admirava do quanto elas cresciam para todos os lados. E ele se encolhia, apertava suas asinhas para sentir seu frágil corpo, e cantava, como eu queria ao invés de voar, abrir as asas como um ramo de árvore e me estender silenciosamente e devagarinho, como eu queria que minhas plumagens se alongassem aos céus, eu queria tanto ser de um lugar só mas ser tantos lugares em um só. 
Eu queria tanto ser uma árvore com alma de passarinho".


0 comentários: