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Voluntariamente autista, sociável com trouxas, fluência em melancolicês. Não tem dom de se expressar pela fonética, mas ama a escrita mesmo sem saber juntar a multidão de letras que seguem suas células. Apenas uma alma muda na imensidão de vozes.

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terça-feira, 21 de novembro de 2023



  Ilustração by Heo Ji-seon.




sexta-feira, 27 de outubro de 2023



Me deram um coração 
plantinha silvestre
Rasteira
Quase invisível 
Alguns olhares 
despreparados olham e dizem: 
"isso aqui é só mato".
Olham e veem só mato?
Me deram um coração 
plantinha silvestre
porque sabiam 
que eu ia precisar dele 
mesmo não gostando 
de ter que sempre aparar tudo
Para não verem tudo que posso ser
Eu aprendi a me podar
Cortar e encolher
Um coração de erva danosa acham
Quem dera mesmo uma hera venenosa 
Uma planta praga dizem 
quanto mais se arranca 
mais impregna e se espalha por tudo
Uma plantinha teimosa 
que continua a crescer 
Tenho que fazer a limpeza mas tudo cresce muito e rápido
Quantas vezes me vi arrancada 
e do mesmo lugar renasci
A mesma florzinha 
minúscula
Mas em sua pequenez
Uma cor rasteira 
Em meio ao verde vasto 
É tão fácil me pisar
A parte gostosa e macabra
é sentir a mão se afundar lá no fundo 
caçando minhas raízes pra arrancar 
É uma dor deliciosa sentir os beliscões de filamentos de raízes grudadas sendo exposto do lado de fora
Veja 
Eu sou 
Maior do que você pensava
Aqui dentro dessa terra
Minhas raízes em suas mãos 
Meus cabelos cacheados 
Abaixo de tudo 
Meu segredo
Minhas sementes dormentes 
Infinitas elas ainda se revelam 
Me chamam de praga 
Mato selvagem 
Eu atrapalho
Eu sou essa praga sentimental
Eu renasço
Não sou erva daninha
Eu sou resistência.
Eu sou o amor renascendo 
em suas mãos duvidosas 
de que eu ainda existo.


De sua bruxa verde,
seja minha abelha.



quinta-feira, 26 de outubro de 2023

 


Ilustração-poema de @pseudoplutao.




quinta-feira, 5 de outubro de 2023



os olhos dela são de vidro
e eu posso sentir
a leve melodia de águas tranquilas
quando por um instante
meus olhos encontram os dela

os olhos dela são de vidro
e eu posso ver
a delicadeza das águas límpidas
escondidas com silêncio

os olhos dela são de vidro
e eu posso entrar
para beber doçura sempre que olhar

os meus olhos são trovejantes
preciso entrar de mansinho
sem mostrar a tempestade
para que nos olhos dela
o encanto das águas bondosas
cantem para as pedras de gelo nos meus olhos
e me derretam lentamente
como as fontes aquáticas dela

os olhos dela
são aquários infinitos
que guardam o oceano pacífico.


Para minha vovó dos olhos de encanto.


(Poema arquivado em 2017, sinto muita falta de como os meus olhos encontravam os seus já me esperando subir as escadas correndo, a sua risada solta que balançava a barriguinha e me fazia sorrir, eu amava fazer você sorrir com minhas bobagens pois sabia tanto o fardo que você carregava tão silenciosa e humildemente da não autonomia do corpo, da perda da fala, da visão baixa, mas ainda assim seu rosto era tão comunicativo de doçura, meiguice, amor de vó. Eu que tenho dificuldade de me comunicar muito por olhares, entendia tanto os silêncios dos seus, me sentia tão confortável com essa comunicação silenciosa de estar ao seu lado e conversar com seus olhos. 
Seus olhos foram um dos poucos que eu soube ler, que eu soube mergulhar e entender o que ele me pediam, eu sei que te amei profundamente e quando você se foi eu me deitei na cama abraçando todas as memórias doces que pude construir junto com você e eu agradeci tanto por eu ter tido tempo de fazê-las com você de  viver com você, de segurar sua mão até o fim. Memórias que nasceram entre silêncios e artes e todas as minha esquisitices tentando te levantar quando a alma estava caída, eu chorava, vó, você sentiu o quanto eu te amava, não sentiu? E abracei o respeito de você descansar desse planeta, você era a minha primavera, meu cheiro de docinho, meu maior amor pra sempre, minha Zildinha, minha vovó de coração mole assim como o meu, você que era comilona como eu, nosso coração é aqueles docinhos da inocência sabe, suspiros e marias moles, nós derretemos doçura, e eu amo o cheirinho desses doces que hoje raras vezes se encontra na padaria. Eu pude entender a palavra anjo através de você, do que você era, tantas coisas aqui no meu coração que pretendo honrar como coração de vó, ainda que eu não quero ser mãe tradicional e convencional como os outros. Mas, eu quero ser esse sentimento tão gostoso, chamado casa de vó ♡).
           
                                              
                                                    
domingo, 1 de outubro de 2023

 

Todas as cartas de amor são

Ridículas.

Não seriam cartas de amor se não fossem

Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,

Como as outras,

Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,

Têm de ser

Ridículas.

Mas, afinal,

Só as criaturas que nunca escreveram

Cartas de amor

É que são

Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia

Sem dar por isso

Cartas de amor

Ridículas.

A verdade é que hoje

As minhas memórias

Dessas cartas de amor

É que são

Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,

Como os sentimentos esdrúxulos,

São naturalmente

Ridículas).


Fernando Pessoa 

(Álvaro de Campos).


Me abraça Fernando Pessoa, eu nasci pra ser tão ridícula, Drummond me abraça eu sou muito gauche na vida, Lispector não tem jeito eu vou ser sempre a boba, você mesma disse que é preciso também não ter medo do ridículo, e então minha amiga de alma, está aqui todo meu coração, um palhaço triste.



quarta-feira, 20 de setembro de 2023

 


- O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar no mundo.

- O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando." 

- Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a ideia. 

- O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não veem.

- Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os veem como simples pessoas humanas.

- O bobo ganha liberdade e sabedoria para viver.

- O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoiévski. 

- Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar-refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era a de que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro.

- Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranquilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado.

- O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo nem nota que venceu. 

- Aviso: não confundir bobos com burros.

- Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a frase célebre: "Até tu, Brutus?" 

- Bobo não reclama. Em compensação, como exclama! 

- Os bobos, com suas palhaçadas, devem estar todos no céu.

- Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz. 

- O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos.

- Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos.

- Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham vida.

- Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem. 

- Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita o ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas! 

- Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas.

- É quase impossível evitar excesso de amor que um bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.

 

Clarice Lispector,

♡.

 


sexta-feira, 25 de agosto de 2023

 

From childhood’s hour I have not been

As others were—I have not seen

As others saw—I could not bring

My passions from a common spring —

From the same source I have not taken

My sorrow—I could not awaken

My heart to joy at the same tone —

And all I lov’d—I lov’d alone —

Then—in my childhood—in the dawn

Of a most stormy life—was drawn

From ev’ry depth of good and ill

The mystery which binds me still —

From the torrent, or the fountain —

From the red cliff of the mountain —

From the sun that ’round me roll’d

In its autumn tint of gold —

From the lightning in the sky

As it pass’d me flying by —

From the thunder, and the storm —

And the cloud that took the form

(When the rest of Heaven was blue)

Of a demon in my view —

 

Edgar Allan Poe. 


Tradução:

(Leonardo de Magalhaens)


Desde a infância eu tenho sido
Diferente d'outros – tenho visto
D'outro modo – minhas paixões
Tinham uma outra fonte e
Minhas mágoas outra origem -
No mesmo tom não despertava
O meu coração para a alegria -
O que amei – eu amei só.
Então – na infância – a aurora
Da vida atormentada – estava
Em cada nicho de bem e mal
O mistério que me prendia -
Da correnteza, da fonte -
Da escarpas rubras do monte -
Do sol que me rodeava
Em pleno outono dourado -
Do relâmpago nos céus
Quando sobre mim passava -
Do trovão, da tormenta -
E a nuvem tem a forma
(Quando o resto do céu é azul)
D'um demônio aos meus olhos.