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Voluntariamente autista, sociável com trouxas, fluência em melancolicês. Não tem dom de se expressar pela fonética, mas ama a escrita mesmo sem saber juntar a multidão de letras que seguem suas células. Apenas uma alma muda na imensidão de vozes.

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quarta-feira, 14 de dezembro de 2022



Tentei outra vez.
 
Um ano em cada dez
 
Eu dou um jeito —

 Um tipo de milagre ambulante, minha pele
 
Brilha feito abajur nazista,
 
Meu pé direito

Peso de papel,
 
Meu rosto inexpressivo, fino
 
Linho judeu.

Dispa o pano
 
Oh, meu inimigo.
 
Eu te aterrorizo? —

O nariz, as covas dos olhos, a dentadura toda?
 
O hálito amargo
 
Desaparece num dia.

Em muito breve a carne
 
Que a caverna carcomeu vai estar
 
Em casa, em mim.

E eu uma mulher sempre sorrindo.
 
Tenho apenas trinta anos.
 
E como o gato, nove vidas para morrer.

Esta é a Número Três.
 
Que besteira
 
Aniquilar-se a cada década.

Um milhão de filamentos.
 
A multidão, comendo amendoim,
 
Se aglomera para ver

Desenfaixarem minhas mãos e pés —
 
O grande striptease.
 
Senhoras e senhores,

Eis minhas mãos
 
Meus joelhos.
 
Posso ser só pele e osso,

No entanto sou a mesma, idêntica mulher.
 
Tinha dez anos na primeira vez.
 
Foi acidente.

Na segunda quis
 
Ir até o fim e nunca mais voltar.
 
Oscilei, fechada

Como uma concha do mar.
 
Tiveram que chamar e chamar
 
E tirar os vermes de mim como pérolas grudentas.

Morrer
 
É uma arte, como tudo o mais.
 
Nisso sou excepcional.

Desse jeito faço parecer infernal.
 
Desse jeito faço parecer real.
 
Vão dizer que tenho vocação.

É muito fácil fazer isso numa cela.
 
É muito fácil fazer isso e ficar nela.
 
É o teatral

Regresso em plena luz do sol
 
Ao mesmo local, ao mesmo rosto, ao mesmo grito
 
Aflito e brutal:

“Milagre!”
 
Que me deixa mal.
 
Há um preço

Para olhar minhas cicatrizes, há um preço
 
Para ouvir meu coração —
 
Ele bate, afinal.

E há um preço, um preço muito alto
 
Para cada palavra ou cada toque
 
Ou mancha de sangue

Ou um pedaço de meu cabelo ou de minhas roupas.
 
E aí, Herr Doktor.
 
E aí, Herr Inimigo.

Sou sua obra-prima,
 
Sou seu tesouro,
 
O bebê de ouro puro

Que se funde num grito.
 
Me viro e carbonizo.
 
Não pense que subestimo sua grande preocupação.

Cinza, cinza —
 
Você fuça e atiça.
 
Carne, osso, não há mais nada ali —

Barra de sabão,
 
Anel de casamento,
 
Obturação de ouro.

Herr Deus, Herr Lúcifer
 
Cuidado.
 
Cuidado.

Saída das cinzas
 
Me levanto com meu cabelo ruivo
 
E devoro homens como ar.


                                                                         Sylvia Plath

                                  (Tradução de Rodrigo Garcia Lopes 

                                  e Maurício Arruda Mendonça)



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